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Estado e igreja: um debate maçador

O Estado trata a igreja católica de forma diferente? Trata. E depois? Para além de tudo, o Papa é também um chefe de Estado – mau era que não fosse tratado com todos os salamaleques.
  • Paulo Cunha/Pool/Reuters
13 Maio 2017, 16h28

A maçadora repetição do esgrimir de argumentos sobre se o Estado deve ou não apoiar – desde logo financeiramente – acontecimentos de índole puramente religiosa sendo laico, nunca falta quando um papa pisa terras portuguesas. A sua inutilidade – dado que o Estado faz sempre o mesmo: apoia – é uma evidência, entre outras razões porque, para a maioria dos portugueses, isso não é um problema.

E não o é porque o Estado soube adaptar-se: o apoio à igreja católica apostólica romana já não é único em termos de confissões e já acabou aquilo que era de facto escandaloso: a discriminação positiva em termos fiscais e a imposição do catolicismo como obrigatório no ensino público.

Mas há uma razão ainda mais evidente para que o tratamento de uma visita de um Papa seja diferente de outra coisa qualquer. Desde logo porque o Papa é também um chefe de Estado – e, nesse quadro, merece honras que outros líderes de outras confissões não podem exigir. Mais importante ainda, o Papa é também um agente político internacional sem paralelo em qualquer outra religião – que qualquer governo com um mínimo de estratégia entende dever ter como aliado.

E finalmente o folclore: se o povo quer peregrinar, pois que peregrine. E o povo apostólico romano é – apesar da crise das vocações, apesar de crescer em número os que dizem ser (sem conseguirem dar a entender o que isso seja) católicos não-praticantes, apesar do disparate intelectual de algumas decisões e da pantomina que é alguma doutrina – ainda maioritário em Portugal.

Nessa medida, qualquer pretensão igualitarista vinda da parte de outras confissões tem muito pouca razão de ser e verdadeiramente ninguém a tenta. O que não quer dizer que não devam ser tratados com respeito – a não ser que se esteja perante uma igreja que atropele os mais básicos elementos de sobriedade intelectual. E essas igrejas são, desgraçadamente, aquelas que aparentam estar a crescer a maior ritmo em Portugal.

O Estado, como lhe é devido, não quer saber do assunto, mas talvez a hierarquia da igreja (que não sendo de Estado, é do Estado) devesse assumir uma posição mais conflituante (não há outra maneira de o dizer) com confissões que vendem milagres ‘à la carte’, curas para todos os males (desde a incapacidade de pagar serviços de dívida até à dor de corno, numa amálgama que até aos deuses lá no Olimpo deve fazer espécie), mezinhas para todas as maleitas, bálsamos para todas as dores, águas para todas as lavagens e no final um terminal de multibanco para pagamento dos prestimosos serviços prestados a bem do corpo, da alma e do que mais houver.

Seja como for, é por demais evidente que não há em Portugal um problema religioso, nem um problema entre religião e Estado, nem sequer um problema de intromissão do sagrado no capítulo do terreno ou sequer do profano. Essa liberdade preserva-se também deixando que o Estado gaste o que gastar com as vindas dos Papas a Portugal.

Nem sequer devia ser um problema.

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