Crescemos a devorar a famosa série de banda desenhada “Astérix”, onde o personagem principal e o seu amigo Obélix usavam permanentemente nas suas histórias o bordão “estes romanos são loucos”. Esta frase que ficou célebre rapidamente nos veio à memória a propósito das eleições presidenciais americanas, cujos resultados finais, à hora que escrevemos este artigo ainda incertos, nos permitem chegar à conclusão de que os americanos são loucos.

Aconteça o que acontecer nos poucos estados em que ainda falta contabilizar votos, uma coisa parece certa, Donald Trump já ganhou as eleições, mesmo que não venha a ser reeleito Presidente dos Estados Unidos da América, “atirando, uma vez mais, para escanteio” as sondagens que o davam unanimemente como derrotado em relação a Joe Biden, após quatro anos antes terem feito o mesmo relativamente a Hillary Clinton.

Depois do mais controverso mandato à frente da nação americana, em que deixou por cumprir a esmagadora maioria das promessas eleitorais que havia feito há quatro anos atrás, em que despediu uma parte considerável do seu séquito, pondo de lado todos os que ousaram criticá-lo, em que oscilou entre amor e ódio em relação à Rússia, China e Coreia do Norte, em que vociferou contra a Organização das Nações Unidas, contra a Organização Mundial de Saúde e contra a generalidade das organizações de que os Estados Unidos fazem parte, em que pôs termo a um significativo conjunto de tratados e acordos internacionais anteriormente firmados, em que menosprezou os conselhos de médicos e especialistas no que à Covid-19 diz respeito, dando pouca relevância a um vírus que já infetou 9,3 milhões de americanos, causando a morte a mais de 230 mil pessoas em solo americano, em que deu fortes machadadas na historicamente forte ligação com a Europa Ocidental, em que caluniou jornalistas e se vitimizou diariamente pelo mal que estes lhe iam causando, Trump consegue discutir até à linha da meta a presidência com um apagado Joe Biden, que fez do sentimento anti-Trump a sua principal bandeira.

Na prática, a eleição presidencial norte-americana mais não foi do que um plebiscito ao mandato de Trump, dividindo os americanos entre aqueles que admiram o estilo troglodita da personagem e os que acham impensável como a mais importante potência mundial pode ser conduzido por uma figura desta natureza.

Sendo os Estados Unidos da América um melting pot, poder-se-ia pensar que Trump não teria quaisquer hipóteses de colher os favores de mulheres e minorias, para além de ser sabido que os intelectuais desde sempre o votaram ao ostracismo, horrorizados, na sua esmagadora maioria, com o estilo boçal e narcisista do rei do tweet.

Não obstante, os resultados eleitorais mostram que, sem o efeito da pandemia, Trump teria passeado em direção a um segundo mandato e que, mesmo com os terríveis efeitos desta, o Presidente americano tem esperanças de conseguir estar mais quatro anos à frente dos destinos americanos e nunca aceitará, mesmo que tal venha a acontecer, uma derrota pela margem mínima, culpabilizando sempre terceiros de uma atuação fraudulenta se tal vier a suceder.

Com a generalidade dos media, dos artistas e dos influencers contra Trump, este consegue, em pleno século XXI, dar mostras que é possível vencer tudo e todos, apostando numa estratégia populista que dificilmente obteria resultados noutro país do globo. Dir-se-ia que, à semelhança do que fez Cristo, também Trump consegue transformar água em vinho ou multiplicar pães e peixes, sendo mesmo possível equacionar que conseguisse ter convencido o povo judaico a votar em Adolf Hitler.

Os republicanos, que preferem votar num espantalho a alterar o sentido de voto, e os democratas, incapazes de encontrar um candidato mais jovem com carisma para os catapultar para uma vitória indiscutível, são ambos responsáveis pela situação a que se chegou, dificilmente explicável por todos aqueles que se dedicam à análise política.

As eleições presidenciais americanas mostraram, pois, ao mundo algo que já há muito sabíamos: estes americanos são loucos.