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EUA. Psicopatologias explicam maioria dos tiroteios, mas não se deve desvalorizar facilidade de obtenção de armas

Os perpetradores têm um historial de rejeição e dificuldade de se juntarem a grupos, diz Rui Costa Lopes, investigador de Psicologia Social do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. A pandemia, acrescenta, veio piorar a saúde mental dos indivíduos e contribuir para a ocorrência de tiroteios em massa num país onde é fácil obter armas.
25 Maio 2022, 17h00

Salvador Ramos, de 18 anos, cometeu na terça-feira o terceiro pior massacre de sempre num centro educacional nos EUA ao matar 19 crianças e dois professores numa escola primária do Texas.

Os media têm especulado sobre o seu estado de saúde mental, mas Rui Costa Lopes, investigador de Psicologia Social do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), observa em declarações ao JE, que “falar sobre eventuais psicopatologias dos perpetradores incorre no risco de desvalorizarmos razões contextuais como a facilidade de obtenção de armas no contexto americano”.

Não obstante, o investigador cita um estudo recente que mostra que, nas escolas, os perpetradores “têm um historial de rejeição e dificuldade de se juntarem a grupos”. Nesta linha, afirma que “um traço mais geral associado a perpetradores de tiroteios é o facto de terem experienciado traumas na infância”. Parece ser este o caso de Salvador, que terá sofrido de bullying, segundo o “El Mundo”.

De facto, as estatísticas vão em linha com estas afirmações: a maioria dos perpetradores de tiroteios sofrem de problemas psicológicos e mais da metade (56%) exibiu pelo menos um sinal de alerta perigoso antes do tiroteio, de acordo com o “Everytown for Gun Safety”.

Não é por acaso que “um dos aspetos pelos quais os defensores do “gun control” lutam é defender a necessidade de realizar um “background check” antes da compra de armas onde potencialmente se detetariam algumas destas patologias”, diz Rui Costa Lopes.

Contudo, nem isso é sinónimo de segurança: um em cada três tiroteios em massa ocorridos desde 2009 envolveu um atirador que foi legalmente proibido de possuir armas de fogo no momento do ataque, segundo o “Everytown for Gun Safety”, que pede legislação federal sem lacunas para evitar estas situações.

Não é de admirar, portanto, que os estados americanos com leis de armas mais fracas e taxas mais altas de posse de armas têm taxas mais altas de tiroteios em massa, pelo menos no período em análise.

O presidente dos EUA já reagiu ao ataque e admitiu estar “farto e cansado” de tragédias. “Temos de agir. E não me digam que não podemos ter um impacto nesta carnificina”, disse Joe Biden. “Onde, em nome de Deus, está a nossa espinha dorsal para ter a coragem de lidar e enfrentar os lobbies?”, questionou.

Este tipo de fenómeno já era recorrente nos EUA, mas piorou nos últimos anos, com uma subida de 154,8% das ocorrências entre 2014 (quando aconteceram 272) e 2021 (693). Questionado sobre os fatores que podem ter contribuído para tal, o investigador concorda com a premissa da pandemia: “É inegável que a pandemia contribuiu para o aumento de problemas psicopatológicos ou no agravamento de sintomas desses problemas. Portanto, será possível especular que tenha potenciado uma maior ocorrência de tiroteios”.

Olhando para outro tipo de tiroteios em massa, como o que aconteceu no dia 14 de maio, quando um jovem supremacista branco, 18, atacou uma mercearia de um bairro predominantemente negro em Buffalo, provocando dez mortos e três feridos, o investigador declara que “não será descabido dizer que a coexistência de minorias com uma maioria que inclui pessoas que vê estes grupos como fonte de ameaça ao seu estatuto “superior” instável e potencialmente ilegítimo é um factor que pode exacerbar a ocorrência destas instâncias trágicas”.

Outro aspeto que não podemos ignorar, defende, é que algumas das últimas ocorrências deste fenómeno foram noticiadas como casos em que o perpetrador apoiava “a teoria de conspiração racista de que a população branca está a ser substituída por minorias conhecida por “White Replacement Theory” [Teoria da Substituição Branca, em português], que tem sido difundida até em meios de comunicação como a Fox News e por pivots como Tucker Carlson”, em linha com o Partido Republicano.

Mesmo assim, “as estatísticas mostram uma existência muito significativa de tiroteios que não são influenciados por motivações raciais e afins e em que os alvos são indiscriminadamente escolhidos (sem olhar a cor, orientação sexual ou religião)”, nota Rui Costa Lopes.

Em verdade, 53% dos tiroteios em massa nos últimos doze anos estiveram relacionados a violência doméstica, sendo que oito em dez destes nunca passaram para um espaço público.

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