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“Com o seu peso estava à espera de quê?”: mulheres são vítimas de ‘bodyshaming’ nas lojas de roupa

“Só trabalhamos com pessoas magras” ou “não fazemos roupa para as suas dimensões” são alguns dos comentários ouvidos por mulheres portuguesas numa banal ida ao shopping.
2 Setembro 2019, 14h55

O atendimento ao público está longe de ser um ‘lugar-seguro’: há cada vez mais funcionários que, em vez de transmitir segurança ao cliente, fragilizam-no ao tecer comentários negativos sobre o seu corpo. “Parece que criticar o aspeto físico se tornou numa norma, como se se tratasse de uma atitude banalizada e, por consequente, aceite num movimento de ‘honestidade’ e beleza estandardizada”, explica a psicóloga clínica, Filipa Jardim da Silva. Se reparar, quando alguém tece um comentário depreciativo sobre o aspeto de outra pessoa, é comum seguir-se o processo de ‘auto-desculpabilização’ – “Eu só estava a ser sincera!” ou “Só queria ajudar”, são alguns dos ‘escapes’ mais usados. “É importante diferenciar ‘honestidade’ e ‘liberdade de expressão’ de ‘julgamento’ e ‘perda de respeito’”, garante a especialista.

Manuela Micael tinha sido mãe há nove meses quando entrou numa loja “relativamente cara” na esperança de encontrar um vestido para o baptizado do filho. Conta que experimentou “o número maior que fabricavam”, informação que lhe fizeram questão de detalhar, colocando-a “contra a espada e a parede”. O vestido não serviu e, em jeito de esclarecimento, a representante da loja acabou por explicar “que só trabalhavam com pessoas magras”. Na altura, Manuela confrontou-a com a sua ‘falta de simpatia’ mas confessou-nos que se sentiu triste e desmoralizada – “Estava no auge da minha depressão pós-parto”. Para Filipa Jardim da Silva, este exemplo pode ter consequências graves. “Se um comentário humilhante e depreciativo surgir numa fase da vida em que a mulher está particularmente vulnerável, ela pode ter maior dificuldade em geri-lo ou filtrá-lo”, diz. “No fundo, um momento de humilhação pode mesmo resultar numa perda de liberdade individual e de segurança”, acrescenta.

Quando uma mulher não se sente bem na sua pele, o contato com o ‘mundo exterior’ fica condicionado e este tipo de situações podem levar à construção de crenças negativas sobre si própria, alterando a forma como se vê. “Isto pode influenciar a maneira como interage com os outros, os contextos onde se permite estar e as actividades que se permite fazer.”, alerta a terapeuta.

Mas este não é um caso isolado. Vera Ferreira sofreu o mesmo estigma na procura de roupa interior. Desde que se lembra que tem dificuldades em encontrar o seu tamanho de sutiã e sempre lhe tentaram impingir “modelos redutores, com as alças reforçadas, em bege ou branco”. Mas, feitas as contas, o número ideal para Vera era um comum 38 C. Conta-nos que sempre resistiu em usar os tais modelos redutores e que é “bem resolvida com as suas mamas” mas que “com 20 anos chorava muito” com este tipo de comentários. Outro caso é o de Isabelinha Gama. Comprou um par de sapatos que teimavam em se descolar nas laterais e, depois de se dirigir à sapataria para reclamar, o feedback foi chocante. “Também com esse peso estava à espera de quê?”, Perguntaram.

Este ‘bullying’ corporal não escolhe idades, partes do corpo e muito menos marcas. Numa loja de roupa multimarca que vende peças de designers portugueses, Bárbara Carvalho não teve a melhor experiência. Conta que quis experimentar um vestido Luís Buchinho que estava na montra e a funcionária recusou-se a tirá-lo por achar “que não lhe iria servir”. Bárbara sentiu-se desconfortável e acabou por pedir à mãe para o ir comprar. Conta que tem o vestido até hoje e que o adora mas não se esquece dos obstáculos que lhe colocaram.

O problema deste comportamento vai muito para além do desconforto que causa no cliente. O funcionário deve garantir um atendimento isento e ignorar as suas convicções e opiniões pessoais. Na verdade, este estigma social é um verdadeiro veículo para a insegurança da mulher. O profissional que se encontra do ‘outro lado do balcão’ não tem a capacidade de perceber em que fase da vida ou estado psicológico o cliente se encontra. Durante a licença de maternidade, Ju de Oliveira quis experimentar umas calças numa loja Guess. Enquanto escolhia o modelo que queria, a filha, que acompanhava a mãe nas compras, começou a chorar. Ju pediu à funcionária que lhe guardasse as peças escolhidas enquanto acalmava a bebé. E foi aí que ouviu aquilo que não estava à espera: “Posso guardar, mas isto não fica bem a pré-mamas.”, disseram-lhe. Revoltada, saiu da loja mas ainda teve tempo de ouvir um outro comentário entre as colaboradoras – “Esta deve-se achar a [Carolina] Patrocínio para caber nisto”. A jovem de 23 anos, que engordou 11 quilos durante a gravidez, conta que passou “a hora a chorar no carro e a odiar-se” a si própria. Hoje, passados alguns meses do sucedido e com a devida distância, consegue perceber que a coisa mais importante que tem “é o corpo que produziu a sua filha”. Mas confessa que esperava outro atendimento, especialmente num momento tão delicado como o pós-parto e conta-nos que evita entrar em lojas da marca.

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