Em 2004, o processo de colocação de professores, suportado num algoritmo complexo que ponderava inúmeras variáveis, falhou por completo e a dois dias da data limite para a abertura das aulas, na altura a 23 de setembro, dezenas de milhares de professores desconheciam ainda as escolas onde seriam colocados.

Entre 2011 e 2014, um problema informático esteve na origem das falhas de controlo do fisco nas transferências no valor global de dez mil milhões de euros para offshores.

Em abril de 2020, o processamento dos aumentos salariais dos profissionais de saúde do Estado, entre outros grupos, não foi realizado por não ter “sido possível efetuar a parametrização dos sistemas informáticos” em tempo útil, devido ao grande volume de variáveis, complexidade e heterogeneidade dos referidos sistemas.

Os exemplos acima apontados ocorreram todos em Portugal e causaram enormes impactos sociais, económicos e políticos.

Em março de 2018 rebentava o escândalo conhecido como “Cambridge Analytica”, empresa que trabalhou para a campanha de Donald Trump e que consistiu no uso não autorizado de dados de mais de 50 milhões de utilizadores do Facebook, com o objetivo de tipificar perfis de eleitores, segmentando-os para o envio de mensagens personalizadas de acordo com o seu perfil, tentando desta forma influenciar o eleitorado e o seu sentido de voto. Neste contexto, existiu ainda uma acusação, no Reino Unido, de que parte destes dados terão sido utilizados para influenciar a campanha a favor do Brexit.

A situação acima descrita teve repercussões globais, levou ao encerramento da empresa envolvida, resultou em acusações de manipulação nas últimas eleições americanas e numa multa de cinco mil milhões de dólares ao Facebook nos Estados Unidos.

Mas qual a relação entre os factos mencionados? Seguramente não se trata de simples erros informáticos, ou seja, e simplificando, de erros de programação ou de infraestrutura tecnológica que, mediante a convergência de um conjunto de variáveis num determinado momento no tempo e em determinadas condições de utilização causam um crash, um funcionamento anormal ou a total indisponibilidade do sistema de informação em causa.

Na verdade, em qualquer dos exemplos estamos a lidar com dados. Quantidades massivas de dados. Em todos os casos, o que falhou foi o domínio dos dados, a capacidade de gerir, controlar ou manter dados em segurança. Falhou a capacidade de transformar dados em conhecimento e este em ações ágeis e decisivas.

Os dados, metaforicamente comparados em importância para a economia global ao petróleo no século XX, têm, tal como o petróleo, que ser refinados para se transformarem num produto passível de consumo. Só assim trarão valor para economia, para as empresas e para os consumidores.

Assistimos hoje, por via das circunstâncias, a uma transformação acelerada das empresas e a um incremento da inclusão digital das pessoas. Muitas empresas que antes da atual emergência apenas comercializavam os seus produtos fisicamente e para um determinado segmento ou canal, estão agora a usar marketplaces de comércio eletrónico numa tentativa de escoar os seus produtos.

As empresas que já disponibilizavam canais digitais verificam agora um incremento exponencial da relevância e utilização dos mesmos para o negócio. Clientes que antes usavam pontualmente os canais digitais de bancos, seguradoras ou de empresas de retalho, estão agora a usar intensamente estes canais.

Esta mudança comportamental está a gerar um novo e monumental fluxo de dados para as empresas. Dados pessoais, de utilização, de hábitos e necessidades de consumo, de informação, entre outros, constituem assim uma oportunidade de melhor alinhar oferta e procura, de conquistar novos clientes e de reter os atuais e uma possibilidade de ajustar o rumo do negócio dinamicamente, reagindo às alterações do mercado.

As empresas que melhor conseguirem capitalizar esta oportunidade, transformando dados em conhecimento, inteligentemente aplicado em estratégias de crescimento de negócio ou de eficiência, serão aquelas que estarão melhor posicionadas para capitalizar as oportunidades neste novo mundo em que viveremos.

Não se trata de um novo normal, mas sim de evolução e adaptação. Citando William Edwards Deming, professor, estatístico, consultor e autor americano do século passado, célebre pelo seu trabalho na organização da indústria japonesa no pós-guerra, “sem dados, somos apenas mais uma pessoa com opinião”.