Nesta primeira coluna de opinião no ano de 2023, e até independentemente dos acontecimentos últimos demasiado infelizes e criticáveis, não podia deixar de abordar de forma necessariamente sintética uma espécie de balanço no âmbito da governação do PS, durante a maior parte deste ano com maioria absoluta, mas já com uma anterior experiência executiva de seis anos.

Não seria honesto omitir a série de “contratempos” que choques externos disruptivos colocaram ao ambiente económico em geral. Seja o rescaldo duma operação de resgate financeiro tutelada pela troika na crise das dividas soberanas (que gerou inusitada crispação no país e um apoio empenhado na regeneração do sistema bancário), seja o espoletar duma brutal pandemia com enorme impacto humanitário, económico e social, seja ainda o eclodir da guerra na Ucrânia, com efeitos na própria ordem mundial, mas mais especificamente com impacto na significativa subida generalizada dos preços.

É óbvio que todos estes “choques” condicionaram a governação, desviando o foco do rumo programado, para atender às múltiplas e complexas questões deles advindas, assim exigindo medidas de política de apoio pontual às famílias e empresas, quase sempre insuficientes num contexto de uma cautelar política orçamental (um pilar – que não foge à controvérsia – da política económica seguida!).

E não será demais referir que, apesar de tudo, o país apresenta globalmente para já um ritmo favorável de recuperação do PIB, baixos níveis de desemprego e de défice orçamental e queda do peso da dívida pública na riqueza nacional.

Mas se todas estas condicionantes externas perturbaram a acção governativa (aqui e noutros locais), não é menos certo que a governação do PS nesta legislatura tem dado sinais de debilidade, pouca consistência (à mistura com alguma soberba) e falta duma visão a prazo devidamente divulgada. Na verdade, a governação atual – pautada pelo pouco rigor – deixou-se armadilhar internamente por uma série de “casos e casinhos”, muitos deles incendiados pela “bolha mediática”, mas onde também relevam alguns com sinais mais perturbadores de ordem pelo menos política, e muito especialmente no que toca ao próprio recrutamento dos governantes.

Ou seja, casos que já geraram demasiadas demissões no elenco governamental num período de nove meses, facto que fatalmente descredibiliza – e de que maneira! – qualquer governo.

É no conjunto deste emaranhado de vulnerabilidades políticas – e numa conjuntura global que se reconhece ser problemática em 2023 – que francamente custou ouvir o primeiro-ministro na sua Mensagem de Natal a referir-se a desafios tão genéricos como a paz, a transição digital e o combate às alterações climáticas, os quais sendo desígnios de fundo no futuro, mesmo que não distante, não se podem substituir em termos de mensagem aos reais problemas que o país enfrenta na área económica e social e, em particular, no domínio da eficiência dos serviços públicos, desde logo os sistemas de saúde e da educação. Ao que acresce neste momento uma alegadamente insuficiente execução do PRR.

Em suma, poderá o contexto atual indiciar um prematuro fim de ciclo político? Tudo dependerá do rumo consistente que a governação PS readquirir – e não é marginal o tipo de remodelação no Governo que não terá sido do agrado do Presidente da República, até pela repetição de situações dúbias –, mas com mais probabilidade admito que tal fim pode ser precipitado caso ocorra, por exemplo, qualquer facto negativamente relevante no âmbito da execução do PRR.

Numa palavra, direi que parece até agora faltar à governação socialista uma ideia dum verdadeiro espírito de “compromisso” (e de rigor no elenco governamental), que as circunstâncias atuais exigiriam. Se um tal espírito, gerador da necessária confiança neste contexto tão crítico, vier porventura por culpa dos agentes políticos a exigir transitoriamente novo formato de soluções políticas, ditas mais de “salvação nacional”, com vigilância atenta e mais interventiva dentro dos limites do Presidente da República, é porque definitivamente a circunstância duma maioria absoluta dum partido muitas das vezes acaba por não servir o país.

Até porque a alternativa política governativa já devia ter o seu lastro consolidado e não é o que tem sucedido. Logo, também por isso a demissão de Pedro Nuno Santos, a par de outros “casos”, não foi suficiente para uma nova chamada às “urnas”. O PSD terá compreendido bem.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.