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Existem riscos “sérios” de caducarem impostos devidos no negócio das barragens da EDP, alerta Movimento Cívico

O Movimento Cívico Terra de Miranda (MCTM) sustenta que quase um ano e meio após a alienação de seis barragens transmontanas o fisco não só não exigiu o pagamento de mais de 300 milhões de euros de impostos como suspendeu os procedimentos de inspeção que são necessários a essa exigência. E alerta que já passou mais de 1/3 do tempo de que a AT dispõe para concluir os procedimentos, pelo que “existem riscos cada vez mais sérios de caducar o direito à liquidação dos impostos”.
24 Maio 2022, 12h15

O Movimento Cívico Terra de Miranda (MCTM) lançou hoje o alerta de que “não podem caducar” os impostos devidos pelo negócio das barragens da EDP, que estima ascender a 300 milhões de euros, incluindo Imposto do Selo e outros impostos como IMI, IMT e IRC, na sequência da venda de seis barragens transmontanas aos franceses da Engie por 2,2 mil milhões de euros, apelidada por ”borla fiscal”. Movimento sustenta que quase um ano e meio após esta alienação o fisco não só não exigiu o pagamento de nenhum desses impostos como suspendeu os procedimentos de inspeção que são necessários a essa exigência.

“Passaram 17 meses sobre o negócio da venda das barragens sem que qualquer dos impostos devidos pela transação tenha sido pago. Foi divulgado publicamente, sem qualquer desmentido, que os serviços competentes da administração tributária (AT) não só não exigiram o pagamento de nenhum desses impostos, como suspenderam os procedimentos de inspeção que são necessários a essa exigência”, avança o MCTM.

Segundo este Movimento, “mais de 1/3 do tempo de que a AT dispõe para concluir os procedimentos inspetivos e exigir o pagamento dos impostos devidos já passou, pelo que existem riscos cada vez mais sérios de caducar o direito à liquidação dos impostos”.

O Movimento Cultural da Terra de Miranda prossegue, em comunicado, que “alerta todas as instituições do Estado Português para esse perigo de caducidade e solicita uma ação rápida para que os direitos das populações e dos órgãos que as representam sejam devidamente salvaguardados”, realçando que “solicita também que o rigor com que o Estado trata a generalidade dos contribuintes seja aplicado às entidades intervenientes no negócio, independentemente da sua dimensão e do seu poder de influência”.

Recorde-se que o Ministério Público divulgou já a existência de uma investigação criminal, em 2020, por suspeitas de fraude fiscal neste negócio depois de denúncias do MCTM que terá avançado com queixas sobre alegadas irregularidades junto do Ministério do Ambiente, que este Movimento acusa “de ter isentado indevidamente a EDP do pagamento de 110 milhões de euros de Imposto de Selo”.

Em julho do ano passado, o Ministério Público confirmou o inquérito dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e cuja investigação se encontra a ser efetuada pela AT. Na mesma altura realizaram-se buscas em instalações de barragens, escritórios de advogados, um organismo do Estado, uma sociedade de contabilidade e sociedades ligadas ao sector hidroelétrico no âmbito da investigação a factos relacionados com o negócio da transmissão de seis barragens do grupo EDP para o consórcio francês integrado pela Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova (Grupo Natixis).

Inspeção do Fisco à EDP suspensa à espera do inquérito criminal

O jornal Observador revelou, a 5 de maio passado, que a inspeção do Fisco para averiguar se a EDP terá de pagar imposto de selo sobre a venda das barragens no Douro está suspensa, dando conta de que só será retomada após a conclusão da investigação criminal à transação.

A AT esclareceu ao Observador que uma investigação criminal e uma inspeção tributária podem versar sobre os mesmos factos, mas têm uma natureza jurídica diferente, pelo que existindo eventuais indícios da prática de crime, em regra, a investigação criminal no âmbito do inquérito crime toma precedência, aguardando o procedimento administrativo (a inspeção tributária) as conclusões a nível criminal.

O Bloco de Esquerda e o PSD também acusam a EDP de ter “fugido” ao pagamento de imposto de selo de 110 milhões de euros, na forma de imposto de selo, enquanto o Movimento Cultural da Terra de Miranda, diz que estima que a “borla” fiscal à EDP ronda os 300 milhões de euros. Entre as receitas do fundo local estará ainda, segundo este movimento, uma participação dos municípios nas receitas do IVA e do IRC, o valor correspondente ao IMI que incidiria sobre os prédios que compõem as barragens e as construções anexas à sua exploração.

A Câmara de Miranda do Douro pediu, no ano passado, à AT a liquidação de impostos relacionados com a operação como o IMI e o IMT, para além de reclamar 7,5% da receita de IVA gerada pela produção elétrica das barragens que ficam no seu concelho. Mas ainda sem resultados em termos de receita. O Orçamento do Estado para 2021 previa a criação de um fundo com as receitas fiscais do Estado e das autarquias resultantes da transferência das barragens que seria usado em benefício dos 10 concelhos abrangidos. As obrigações deste artigo, aprovado por uma coligação negativa entre a esquerda e a direita contra o PS, acabaram por não ser cumpridas, defende a autarquia.

Este Movimento acrescenta hoje, em comunicado, que “releva” as iniciativas já adotadas pelos municípios de Miranda do Douro e de Mogadouro, bem como da Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os[1]Montes, de exigirem a liquidação dos impostos devidos. E lança o apelo aos restantes municípios onde se localizam as barragens envolvidas no negócio para que se juntem a estas iniciativas. “São eles os credores e os sujeitos ativos destes impostos, pelo que devem exigir à AT que cumpra a sua missão de garantir a efetividade dos seus direitos tributários.

Os direitos destes municípios são direitos dos seus cidadãos e têm de ser respeitados”, conclui.

Movimento assegura ter provas de que negócio está sujeito a impostos

O Movimento da Terra de Miranda revelou a 14 de junho do ano passado ter na sua posse “os elementos necessários” que provam que a venda das seis barragens da EDP aos franceses da Engie está sujeito ao Imposto do Selo, IMT e IRC.

O Movimento transmontano deu conta que “depois de o ter legalmente solicitado, aos elementos necessários e suficientes para poder afirmar a sua conclusão de que todos os impostos que incidem sobre o negócio da venda das barragens são devidos, tanto o Imposto do Selo, como o IMT e o IRC, sendo também devido o IMI.

O MCTM sustenta que esta conclusão incide no facto de a estrutura jurídica montada pela EDP não corresponder a uma operação de reestruturação enquadrável, nem na letra “nem na finalidade que a lei fiscal estabelece para a aplicação dos benefícios fiscais à reestruturação de empresas”. Já a EDP qualificou de normal este modelo nestes negócios e que configura a operação como uma reestruturação empresarial que fica isenta do pagamento de imposto de selo por regras comunitárias.

O Movimento constata ainda que “nenhuma lei cria, nem podia criar, benefícios fiscais para a criação de empresas com morte previamente anunciada, pelo seu próprio criador, para alguns meses depois”. E dá conta de que a criação desta empresa (designada Camirengia) não tem qualquer racionalidade económica, como as partes do negócio escrevem em vários documentos, pelo que parece ter tido como objetivo exclusivo eludir o pagamento de impostos, o que pode constituir crime de fraude fiscal”.

Argumenta também que “são abundantes as provas de que as partes sempre acertaram que o negócio consistia na transmissão, da EDP para a Movhera I [a nova concessionária das seis bagagens transmontana], dos estabelecimentos industriais compostos pelas seis barragens. E acaba realçando como constatação que “os edifícios e construções das barragens eram, desde sempre, propriedade da EDP, que os tinha inscritos no seu balanço como sendo deles titular, e como consta dos contratos de concessões e de todas as suas adendas. Esses bens foram transmitidos duas vezes neste negócio primeiro por ela própria para a Camirengia e depois para a Movhera I”.

O MCTM prossegue aqui que se trata de bens do domínio público, pelo que essas transmissões são nulas, porque esses bens são, por natureza, “insuscetíveis de Transmissão”. Frisa também que se a transmissão da sua titularidade é legítima, então estão desde sempre sujeitas ao IMI e a sua transmissão está sujeita ao IMT.

“Todos estes impostos deveriam ter sido acautelados pelo Estado, como condição de autorização para a realização do negócio. Incompreensivelmente não o foram”, acrescenta, considerando que “é também incompreensível” a declaração do ministro do Ambiente, acompanhado do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no dia 28 de dezembro de 2020,  Miranda do Douro, de que o negócio não estava sujeito ao IMT nem ao Imposto do Selo e que as edificações das barragens não estão sujeitas ao IMI.

“São ainda dificilmente compreensíveis a anulação da liquidação do IMI sobre a barragem de Bemposta por uma decisão arbitral erroneamente fundamentada e as variações de entendimento da administração tributária durante a pendência do processo sobre esta e outras matérias relevantes”, realça.

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