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ISCTE: “Exportar ensino superior executivo é para nós crítico”

A internacionalização é uma prioridade para o Iscte Executive Education. José Crespo de Carvalho, o presidente, também quer a Escola a liderar a mudança e dá mais um passo nesse sentido com o lançamento já em abril do pioneiro MBA in Sustainable Management.
13 Fevereiro 2022, 17h00

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education, acumula a sua carreira na academia com grande proximidade às empresas — foi administrador de várias, entre as quais a CGD, onde presidiu à Comissão de Risco.

Licenciado em Engenharia pelo Técnico e doutorado em Gestão, pelo ISCTE-IUL, onde também fez o MBA, é professor catedrático, mas adora estar do lado de cá da sala de aula, como o comprovam as numerosas formações complementares em Gestão que fez em escolas de topo mundiais. Nesta entrevista, fala-nos da estratégia do Iscte Executive Education, da sua oferta inovadora e da internacionalização, que coloca no topo das prioridades. Dá-nos também a sua perspetiva sobre a geração de ouro que está a emigrar, a importância da formação ao longo da vida e o dilema que enfrentam as áreas tecnológicas, onde faltam cursos, professores e pessoas com apetência tecnológica e quantitativa. Um olhar sobre o presente e o futuro.

Consegue ilustrar a Universidade do futuro numa imagem? O que vemos?
Veremos pessoas, relações, tecnologia. Veremos conhecimento. Veremos transmissão de conhecimento. E veremos muitos e novos formatos para essa transmissão.

Em que medida é fundamental para humanizar um mundo cada vez mais tecnológico, digitalizado e… pessimista?
Não acredito que o mundo seja pessimista. Cada um de nós pode ser mais ou menos pessimista, mas, no global, se o pessimismo se sobrepusesse ao otimismo ou ao realismo das coisas realizadas não haveria avanço, não haveria inovação. Acreditar é o segredo. Trabalhar em conjunto é chave. Os resultados, dessa forma, chegarão. O mundo é bem diferente hoje do que era há cem ou mil anos atrás. Evoluímos, no final. Tem havido ao longo de anos, muitos anos, milhares de milhões de conquistas para a humanidade. A universidade é tão-só um primeiro ponto, em idade, de encontro da pessoa consigo mesma (mais a sério), da pessoa com o conhecimento amadurecido, da pessoa com outras pessoas diferentes e complementares, da pessoa com ideias opostas, da pessoa com os seus mestres e porventura exemplos (que grandes são as obrigações dos professores), da pessoa com a abolição da escravatura que é o desconhecimento. A universidade é uma porta incrível para o mundo. Para a vida.

Numa entrevista recente, o professor Daniel Traça, da Nova SBE, disse-nos que a Universidade que não liderar a mudança ficará irrelevante, o seu sucesso será medido pelo impacto na sociedade. Concorda com a perspetiva?
Julgo que sim, mas precisaria de saber mais sobre a questão e a resposta. A relevância de uma universidade mede-se pelo seu mercado, pelos seus alunos atuais e pelos alumni passados. Pelas empresas e organizações com que trabalha e trabalhou. O impacto, então, mede-se. A questão para mim é o que significa liderar a mudança porque é demasiado vago. Obedecendo a quê? Mudar o quê? Que mudanças em concreto? Há muito a mudar, certamente. Mas cada qual com a sua estratégia, quer com a sua estratégia e o seu “kernel” estratégico de análise, formulação e ação quer com o que pretende para a sua organização e para a sociedade.

O que é o Iscte Executive Education?
Pode traçar o retrato?
O Iscte Executive Education é uma associação privada de utilidade pública, sem fins lucrativos, com 33 anos de existência (pioneira em Portugal) que faz a formação de executivos do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, i.e., que pertence ao universo ISCTE, universidade, e que com o ISCTE consolida contas (faz parte do perímetro fundacional), mas também pertence a um conjunto de empresas/organizações instituidoras, entre as quais a EDP, a Auchan, a TAP, os CTT, a Unipartner, a Caixa Geral de Depósitos, o Millennium BCP, o IAPMEI, o Metropolitano de Lisboa, a Altice e a Ordem dos Engenheiros. Dito isto, o ISCTE Executive Education é o veículo dentro do universo ISCTE – IUL, que faz a formação de executivos e tem no seu portfolio os MBA’s, os Executive Masters, os Mestrados de caráter aplicado (profissionais), as pós-graduações, os programas “Advanced” ou “Applied” e os programas de curta duração a que chamamos “Boost”, todos estes na área de “open enrollment”. Depois temos a área de formação à medida para empresas, a que chamamos “corporate solutions”, e ainda uma área de consultoria aplicacional e estudos institucionais.

Num momento crítico de desenvolvimento do país, como se está a posicionar a Escola para enfrentar esse desafio?
O Iscte Executive Education tem três pilares fundamentais onde assenta a sua estratégia: Internacionalização, catálogo em oferta “open” e “corporate solutions”. O posicionamento é uma derivada destes três pilares. É uma perceção dos mercados sobre a combinação destes três pilares: essa percepção resulta, naturalmente, numa posição dos produtos/mercados.

É natural que o internacional não se veja em Portugal e aos olhos do mercado nacional, mas está a ter um papel cada vez mais estruturante. Exportar ensino superior executivo é para nós crítico.

O pilar novas apostas e cursos em “open enrollment” é bem visível e basta consultar a nossa página web para perceber que abrimos “Advanced Programs, Applied Programs” (estes dois como pós-graduações) e “Boost Programs”. Reforçámos as especializações. E, para além destes reforços, apostámos com o ISCTE e a IBS – Escola de Gestão do ISCTE-IUL, em mestrados de caráter profissional de um ano e 60 ECTS.

Para além disso, estruturámos uma Global Academy onde temos produtos de dupla certificação/titulação com universidades, digamos, “Ivy League”, como Stanford, MIT, Oxford e Harvard com quem firmámos parcerias. E estruturamos para empresas cursos, parte com exposição internacional às melhores escolas e parte com aplicação a problemas concretos das empresas, desenvolvida por nós.

Parcerias?
Temos vários parceiros críticos onde a Lisbon Digital School é um deles para a área do Marketing Digital, mas também com escolas internacionais onde figuram por exemplo uma ISDI espanhola ou uma Rennes em França. A Anglia Ruskin University (301º do ranking global de universidades THE), no Reino Unido, levou-nos a fazer uma parceria muito sólida que nos custou bastante tempo em negociações, mas que permite termos neste momento várias duplas titulações. Como exemplo, um aluno nosso, Iscte Executive Education, pode fazer uma parte do programa aqui e completá-lo na ARU (num modelo que permite continuar a trabalhar em Portugal ou noutro lado do mundo) tendo dupla titulação. E grau académico também, concedido pela ARU no Reino Unido. Estamos ainda a exportar para a Turquia, para o Egipto, para o Irão, para os EAU, até para os EUA. E, claro, para o Brasil e para todos os Palop’s. E temos uma operação que se vai alargando mais e mais com a China e que dura há mais de 10 anos.

Que novidades vão lançar este ano?
Diria que há três fundamentais.

Vamos por partes.
O MBA em Sustainable Management, aposta de futuro mas que queremos muito fazer e que começa no final de abril de 2022. Acreditado pela AMBA. Talvez até para liderarmos, como foi referido em questão anterior, a mudança — cá está, a sustentabilidade é para nós um dos elementos mais críticos dessa mudança e não podemos esquecer que temos um sistema global de sustentabilidade no ISCTE-IUL que nos leva a sermos líderes incontestados nesta área. Aliás, pensamos que estas apostas são tão de futuro que o próprio Financial Times terá de introduzir muito brevemente nos critérios dos seus rankings, precisamente critérios de sustentabilidade. Basta ir ao Times Higher Education para vermos em termos de sustentabilidade onde nos posicionamos.

As outras?
Um segundo, e reforçando, é a aposta na Global Academy com dupla titulação por universidades de reconhecido mérito global: Oxford, Stanford, Harvard e MIT. Temos cursos conjuntos, ISCTE Executive Education e estas universidades, dirigidos a empresas onde qualificamos quadros em sustentabilidade, liderança, transformação digital, inovação e que são modelos claramente “cutting-edge” de conceptualização e implementação dos vários projetos das próprias empresas.

Em terceiro lugar e em parceria com o ISCTE-IUL e a escola de Tecnologias ISTA, temos também um novo mestrado profissional em Tecnologias Digitais para o Negócio, que permite juntar AI, Machine Learning, IoT, Cloud Computing, Blockchain, entre outras tecnologias, e liderança, gestão e desenvolvimento de pessoas e gestão da mudança. Dá 60 ECTS e mestrado em apenas um ano, compatível com o trabalho corrente e com projetos de tese aplicados a empresas. As empresas são nossas parceiras privilegiadas neste modelo que começará já em março de 2022.

Nessa oferta destaca-se este MBA in Sustainable Management. É uma aposta na gestão verde?
Não é na gestão verde. É na gestão sustentável. Muito mais que verde. Alinhado com as melhores práticas de gestão e endereçando os vários ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. É pioneiro. E é o sinal da liderança para mudança que queremos fazer acontecer.

Há mercado para um programa desta natureza ou a internacionalização joga aí um papel?
O mercado fala mais alto do que opiniões. Deixemos o mercado falar. Mas se fizermos apenas e só o que o mercado paga, i.e., noção de valor transacional no curto prazo, talvez não possamos fazer a liderança mutacional que precisamos e preconizamos. As universidades são muito mais que isso.

Na escala de um a cinco, que lugar ocupa a internacionalização na estratégia da Escola?
5. Fácil. Já o disse atrás. Aliás, esse é talvez o pilar mais relevante neste momento. Em internacional não estamos nem nunca estaremos satisfeitos. A internacionalização é absolutamente crítica para o ISCTE Executive Education. E aqui temos uma enorme, enormíssima ambição. Portugal configura um mercado pequeno demais para aquilo a que legitimamente ambicionamos.

Que relação tem o Iscte Executive Education com o tecido empresarial português?
Fomos criados pelo ISCTE e por 12 empresas/organizações. Acho que isso diz tudo sobre o que é a nossa relação com o tecido empresarial há 33 anos. Enorme. E sempre em ascendente.

Que considerações lhe merece o Plano de Recuperação e Resiliência?
Parece-me um bom plano que traz associada uma ajuda monetária crítica. Na minha opinião, porém, e já o disse várias vezes em vários contextos, não é uma ajuda tremenda porque o dinheiro é equivalente ao que perdemos em PIB no primeiro ano da pandemia. Mas é uma sorte tê-lo, sem dúvida. Há, não obstante, uma questão de base que me parece estar por resolver mas que não tem a ver com o plano em si. Os projetos, vamos esperar que com dimensão e impacto, deviam ter sempre na base a resposta fundamental a uma questão que quase sempre fica por responder em Portugal: são mesmo necessários? Para quê e para quem? Cada projeto no contexto do PRR deveria ter isto muito bem explicadinho. E isto é crítico para Portugal. Sempre foi. E sei que não é politicamente correto o que estou a dizer.

A formação ao longo da vida é uma nova pressão sobre as pessoas trazida pela sociedade baseada no conhecimento que emergiu o século XXI. Como está a Escola a responder a este desiderato?
Não tenho nada a sensação de que seja uma pressão. É uma necessidade face ao contexto e aos tempos que se vivem. Repare que não estamos apenas a competir connosco próprios. Já estamos em muitas áreas a competir com tecnologia. Isso impõe um conhecimento do que devemos e podemos fazer, e onde apostar, muitíssimo superior. Mal será se uma pessoa, hoje, não tiver como central na sua vida aprender. Conhecer. Ter curiosidade intelectual. Aí sim, se não tiver nada disto passará a ser irrelevante. E irrelevante é aquilo que nenhum de nós quer ser, penso eu.
Acrescento que a formação de executivos é um caminho mais aberto para entrar na universidade e mais universal. Todos podem vir, tenham ou não os requisitos de base impostos e que são mais universais. E o caminho transforma e vai abrindo novas exigências e mostrando, inclusive, novas oportunidades. Repare que um trabalhador experiente pode entrar aqui com o liceu e sair do ISCTE, universidade, com licenciatura ou mestrado. E com um conhecimento e uma experiência acumulados muitíssimo ricos.

É frequente ouvirmos empresários queixar-se que não encontram pessoas com as competências que precisam. O ensino superior tem os cursos “certos” para responder a isso?
Claro que tem. O problema é outro. Os empresários não pagam o suficiente aos recursos com as competências certas e eles emigram. Aliás, nós, universidade, somos os grandes responsáveis por ter formado esta geração de ouro que não quer ficar em Portugal e quer ser exportável. Quer sair. Por várias razões. Salariais, mas não só. Porque quer ver mundo, porque tem lugar lá fora, porque está preparada, porque é boa, porque é aceite, porque tem as qualificações. Se tem lá fora as qualificações também as terá cá em Portugal. Consigo ver um mérito enorme nisto e não apenas as partes negativas. Mas voltando à questão, não tem acuidade. Se são boas competências para fora de Portugal também o serão para Portugal. E mérito para os empresários que tanto nos disseram durante tantos anos que devíamos aproximar-nos deles. Assim o fizemos e o resultado está à vista. Fizemo-lo bem demais.

Nas áreas tecnológicas, a pressão por talento português é enorme. Há cursos e vagas suficientes no ensino superior?
Não. Faltam cursos. Mas faltam também pessoas com apetência tecnológica e quantitativa. E faltam professores. Mas isso é um problema que vem de trás. Estigmatiza-se o raciocínio quantitativo e as tecnologias e os alunos fogem dele. Os métodos de ensino destas áreas não são os melhores. Felizmente temos também escolas alternativas aos formatos universitários onde é possível formar pessoas de tecnologia.

Portugal tem pela frente uma longa barreira demográfica, mesmo havendo cursos e vagas, poderá um dia não haver…
alunos. Como antevê o futuro do país? Se pudesse lançar amanhã uma política pública mobilizadora e progressista, o que seria?
Estou na educação e ensino superior há uma vida. E nas empresas em paralelo. Está a fazer-me uma pergunta política logo, políticas avulsas não valem a pena. Ou se tomariam decisões estruturais, com largas maiorias em que todos entenderiam e apoiariam os porquês das coisas, ou não valeria a pena.

O que mais me parece ser conveniente neste momento é não taxar em sede de IRS os jovens quadros de elevado potencial até uma determinada idade como troca pela permanência. Obviamente que continuando a fazer descontos para a segurança social. E com um patamar máximo de anos de isenção. Depois há uma outra questão que é como saber quem são os jovens de elevado potencial. E aqui, não sendo fácil, acho que há formas de o fazer.

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