A tão apregoada “Ordem Internacional Liberal” (OIL) tem sido apresentada por alguns comentadores como a inevitável TINA (There is no Alternative) das relações internacionais.

O conceito cunhado há cerca de duas décadas e meia por John Ikenberry, vem propor-nos um relacionamento entre os Estados, em particular entre as grandes potências, pautado por um conjunto de princípios, normas e regras, cujo conteúdo enaltece o caráter benigno de uma Ordem mundial unipolar subordinada aos desígnios da “nação excecional”, como Madeleine Albright chamou aos EUA.

Baseada nas premissas enformadoras da corrente liberal das relações internacionais, a OIL propõe-nos, entre outras coisas, a cooperação entre Estados através de um vasto número de instituições internacionais criadas pelos EUA a seguir à Segunda Guerra Mundial, como sejam, por exemplo, o sistema de Bretton Woods (1944), o qual inclui instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, as Nações Unidas (1945), a NATO (1949), assim como o GATT, mais tarde Organização Mundial do Comércio, apenas para mencionar as mais importantes.

Importa perceber se, na prática, estas organizações têm vida própria, ou se não passam de projeções do poder dos Estados que convenientemente abraçaram os seus objetivos e apoiaram as suas ações; e até que ponto estas instituições vinculam e limitam a ação das potências que as criaram e as promoveram respeitando os seus objetivos. Os factos dizem que não. As grandes potências respeitam as regras apenas quando lhes são úteis, descartando-as quando deixam de o ser. Tornou-se recorrente a predisposição dos EUA para atuarem fora das regras dessas instituições, sempre que isso lhes seja favorável.

Os EUA foram useiros e vezeiros nesta prática, pervertendo reiterada e abusivamente o tão alardeado espírito de cooperação multilateral, mesmo dentro do seu sistema de alianças, tomando unilateralmente decisões desalinhadas com os pressupostos da OIL.

Os casos de desrespeito pelo sistema são imensos e não caberiam neste texto. Um dos primeiros terá sido a violação unilateral do acordo de Bretton Woods, que regulava os arranjos monetários internacionais desde 1944, tornando-o irrelevante por ter deixado de servir os interesses norte-americanos.

No pós-Guerra Fria, os EUA usaram o seu poder para impor uma ordem coerciva e egoísta sobre o mundo, em vez de subordinarem a sua atuação às regras que norteiam a rede das várias instituições que integram. Entre outros exemplos, salientamos o ataque à Jugoslávia (1999), a invasão do Iraque (2003), a operação militar na Líbia (2011), todas sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, a não adesão ao TPI, a não ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ou a retirada unilateral do JCPOA (programa nuclear iraniano).

Podíamos ainda adicionar a esta discussão os privilégios que os EUA e os países da União Europeia desfrutam nos acordos e instituições como o Banco Mundial e o FMI, que levaram a China a replicar essas instituições criando instituições financeiras paralelas.

Não será, portanto, de estranhar que a desacreditação da OIL causada pelo desrespeito das suas normas pelos seus defensores tenha provocado uma reação de contestação, que levou a China e a Rússia a resistir-lhe, e assim evitar que os EUA dominem o sistema internacional económica, militar e politicamente. Como diz o povo, quem semeia ventos, colhe tempestades.