Quando pensamos nas raízes históricas do feminismo é inevitável virem à mente as imagens das sufragistas britânicas do século XX, que ajudaram a abrir o caminho para movimentos pioneiros de luta pelos direitos da mulher. As sucessivas vagas feministas, centradas nos EUA e Europa, acabaram por se tornar mais conhecidas, tendo centrado a sua luta nos direitos de um grupo muito específico e homogéneo de mulheres.

Seria preciso chegarmos à década de 90 para começarmos a ter acesso a uma visão mais intersecional da luta feminista, que tem em consideração questões não só de classe, mas também raciais, étnicas, religiosas ou culturais.

A morte recente da egípcia Nawal Al-Saadawi, médica, escritora e feminista, trouxe de novo à luz do dia o seu trabalho de décadas na luta turbulenta pelos direitos das mulheres no Egito, onde o patriarcado convive com interpretações rígidas da lei islâmica, embora a relação entre religião e Estado varie muito de país para país no Médio Oriente.

Al-Saadawi foi submetida à brutal prática de mutilação genital feminina aos seis anos de idade, evento que descreve no seu livro “A Face Oculta de Eva”, uma obra seminal sobre a opressão das mulheres árabes e que veio ajudar a mitigar a ignorância ocidental sobre muito do que se passava no Médio Oriente. Se pensarmos que só em 2008 a prática de mutilação genital feminina foi oficialmente banida no Egito, ficamos com uma ideia do quão longa e dura tem sido a luta da mulher árabe.

Mas quem é esta mulher árabe feminista? E a mulher curda, iraniana, até israelita ou mesmo oriunda do Cáucaso do Norte? Cada uma destas mulheres vive numa sociedade e contexto marcados pela imensa diversidade étnico-religiosa da região. Não são mulheres consideradas feministas do “primeiro mundo”, mas partilham as mesmas visões por justiça e igualdade, ainda que possam divergir sobre o papel do secularismo e religião.

Muito tem sido feito por movimentos feministas do Médio Oriente, Golfo Pérsico e Norte de África, a par das Primaveras Árabes. Estas são mulheres cada vez mais determinadas em fazer ouvir as suas vozes, mas que não se sentem nem representadas, nem compreendidas por feministas ocidentais de sociedades democráticas liberais. A visão etnocêntrica do feminismo ocidental acaba por se tornar incompatível com as reivindicações de culturas e etnias que não rejeitam inteiramente a religião, mas combatem modelos sociais patriarcais e hostis.

Não há uma forma moralmente superior de fazer feminismo ou ser feminista, embora veja muitas discussões sobre o “melhor” feminismo, nem sempre saudáveis e muitas delas até divisivas e contraproducentes para a causa. Cada luta faz-se a partir de um determinado lugar silenciado que se transforma num lugar de fala. Apenas quando todas são ouvidas se pode abrir caminho para uma sociedade mais justa e igualitária.