A crise da Covid-19 vai ficar para a história como uma das mais profundas e abrangentes de que há registo, com o PIB mundial a cair perto de 5% no ano de 2020. Só durante a Segunda Guerra Mundial houve registo de quedas de PIB mais profundas, e em 2009, no seguimento da Grande Crise Financeira que começou em 2007, o PIB mundial caiu pouco mais de 1,5%.

Mas vai ao mesmo tempo ficar registada como a crise em que as entidades responsáveis pela política económica (Governos e bancos centrais, basicamente) melhor resposta tiveram, evitando de longe o pior dos cenários (uma pandemia desta abrangência tinha facilmente potencial para desintegrar o sistema capitalista em que a economia global assenta), com os resultados à vista: os índices acionistas encontram-se muito perto de máximos históricos e o custo do crédito perto de mínimos.

Os investidores estão claramente a antecipar uma forte recuperação económica, assim que os constrangimentos sanitários sejam ultrapassados. Mas por eficaz e poderosa que tenha sido a resposta dos bancos centrais e Governos, nos últimos meses têm surgido pequenas fendas nos mercados obrigacionistas.

Dos dois lados do Atlântico os programas de compras de ativos continuam a ser exercidos a todo o vapor, com o BCE e a Reserva Federal a comprarem em conjunto mais de $200 mil milhões por mês nos mercados obrigacionistas. Mas nos últimos dois meses, mesmo com este elevado ritmo de compras e promessas de continuidade, as taxas de juro implícitas (yield) nos mercados obrigacionistas subiram significativamente.

Nos EUA, a yield a 10 anos das obrigações soberanas subiu de cerca de 0,90% no final de 2020, para mais de 1,4% atualmente. Na Europa, a yield das obrigações da União Europeia a 10 anos (um emitente ainda pequeno, mas que acho que já pode ser usado como referência) subiu de cerca de -0,40% para cerca de -0,10%.

Parte destas subidas justificam-se com melhores perspetivas económicas, o que é bom. Mas outra parte está relacionada com um desequilíbrio entre a procura e a oferta de obrigações às yields atuais que, deduzindo pelo comportamento do mercado nos últimos meses, pode já não estar a ser devidamente colmatado pelas compras de ativos por parte dos bancos centrais.

A magnitude do movimento não é o principal motivo de preocupação porque, apesar destas subidas, as yields ainda se mantêm em níveis bastante baixos. Mas a rapidez com que se deram revela a facilidade com que as fendas se podem abrir no mercado obrigacionista, mesmo com todo o apoio que este tem por parte dos bancos centrais. O que já pode ser motivo para alguma preocupação, se tivermos em conta que dos dois lados do Atlântico se espera um aumento do ritmo de emissões no resto do ano.

Por outro lado, por confiantes que os investidores estejam na recuperação económica no pós-confinamento, a realidade é que todos os países tiveram de se endividar cegamente para combater esta crise (em vários casos em mais de 20 pontos percentuais dos respetivos PIB). O que implica que as taxas de juro têm de se manter baixas, para que a recuperação económica não descarrile.

A facilidade com que as yields subiram e a necessidade de mantê-las baixas são duas premissas que levam a crer que o mercado pode precisar de ainda mais compras por parte dos bancos centrais, para garantir que a recuperação se dê de forma suave. E que desmascaram a dependência que as economias desenvolvidas ainda têm destes programas de compras de ativos.