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Florestas: Proprietários e indústrias querem plantar eucaliptos em matos para reduzir riscos

Os proprietários florestais e indústrias da celulose pediram o aumento da área de eucalipto. Isto para reduzir o risco de incêndio. Já os ambientalistas pedem a gestão do eucalipto para ordenar floresta e um especialista diz mesmo que falta músculo político para travar a multiplicação desta espécie de árvore.
16 Julho 2022, 08h49

Proprietários florestais e indústrias da celulose pediram o aumento da área de eucalipto e de outras espécies de árvores de crescimento rápido em zonas de mato abandonadas para reduzir o risco de incêndio e desenvolver o setor.

“A área devia ser aumentada e não reduzida”, afirmou à agência Lusa Luís Damas, presidente da Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais (FNAPF), como também defendeu a Associação da Indústria Papeleira – Celpa.

Segundo a FNAPF, as condicionantes à plantação ou replantação de eucaliptos tem vindo a contribuir para o abandono de anteriores povoamentos, após o corte da madeira.

“Esta proibição provocou desinteresse e abandono por parte de muitos proprietários, que deixaram de cuidar daquilo que é seu”, explicou o dirigente, acrescentando que essas “são áreas de floresta sem produção onde têm custos de manutenção” e, por falta de limpeza por não serem áreas produtivas, é por aí que entram os fogos.

‘Guardiões da floresta’, por serem os primeiros a querer proteger o seu negócio, os proprietários florestais querem transformar matos em floresta, para estas áreas passarem a ter uma gestão profissional, minimizando o risco de incêndio.

“Temos muitas áreas que são matos e nestes dias estão a ser tomadas pelos fogos porque não têm gestão”, justificou a FNAPF.

Na mesma perspetiva, o diretor-geral da Associação das Indústrias Papeleiras – Celpa, Francisco Gomes da Silva, lembrou à Lusa que “quase metade da área ardida corresponde a matos e pastagens, seguindo-se o pinheiro-bravo e só depois o eucalipto”, concluindo que os incêndios ocorrem sobretudo em áreas de “ausência generalizada de práticas de silvicultura”.

Para a FNAPF, a proposta poderia ser uma solução para resolver os problemas do minifúndio.

“Posso ter dois hectares e geri-los bem, mas, se os meus vizinhos não fizerem nada à volta, o incêndio vem e eu com dois hectares não os consigo salvaguardar”, advertiu Luís Damas.

As duas associações alertaram também que as restrições ao aumento da área de eucalipto, uma das espécies onde há maior investimento por ser de crescimento rápido, tem causado “prejuízos económicos” ao país.

Desde logo, restringem o potencial de produção e de exportação e contribuem para o aumento das importações de madeira (25% da madeira transformada pelas indústrias), para a escassez de produtos e para o aumento dos preços.

“O aumento de produção nacional só não se concretiza por existir uma clara ‘perseguição’ a esta espécie”, apontou a FNAPF.

Para o aumento da área, a associação defendeu a existência de “áreas de compensação”, que ainda não estão regulamentadas, exemplificando que, num projeto de 100 hectares, 50 seriam de espécies de crescimento rápido e os restantes de espécies autóctones.

A área de eucalipto passou de 810 mil hectares, em 2010, para 845 mil hectares, em 2015, de acordo com os últimos dados, dos quais cerca de 300 mil são certificados.

Contudo, as associações estimam que esta área tem vindo a reduzir desde 2017, em resultado dos incêndios de 2017 e 2018 e das condicionantes impostas.

O eucalipto representa 26% da floresta portuguesa.

O setor da produção possui um potencial de produção de 340 milhões de euros/ano em valor de madeira de eucalipto e emprega 100 mil trabalhadores.

A indústria da pasta e do papel produz por ano 1,9 milhões de toneladas de papel e cartão, possui cerca de 4.500 postos de trabalho e um volume de negócios de 2,9 mil milhões de euros, dos quais 2,3 mil milhões ao exportar metade da sua produção.

Portugal é o terceiro maior produtor europeu de pastas e o segundo de papel.

O país é um dos cinco principais produtores mundiais da espécie de eucalipto ‘ Eucalyptus globulus’, de onde é extraída a melhor fibra para o fabrico de papel, a par da Espanha, Austrália, Chile e Uruguai, o que torna a indústria da celulose competitiva a nível mundial e constitui uma enorme oportunidade para o crescimento de todo o setor.

Ambientalistas pedem gestão do eucalipto para ordenar floresta

O especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos defendeu hoje um diálogo sério entre Governo e produtores para uma gestão eficiente da floresta e considerou que é essencial conseguir-se finalmente um cadastro dos terrenos.

Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), destacou que o eucalipto, especialmente da espécie ‘globulus’, prolifera em Portugal essencialmente porque é lucrativo e fácil de manter com as condições de solo e climáticas portuguesas, além de produzir uma pasta de papel “de alta qualidade, a nível mundial”.

“A venda da madeira de eucalipto é a forma de dar o melhor rendimento aos proprietários de terrenos”, disse, salientando que manter um terreno, que muitas vezes é pequeno, custa dinheiro e o proprietário, “em lugar de ter algum lucro, só tem gastos”.

O especialista destaca que “as pessoas vão plantando eucaliptos sempre que podem”, o que leva à proliferação descontrolada destas árvores, e as leis que determinam áreas máximas para a plantação desta árvore nem sempre são cumpridas.

“Para que isto, de facto, não seja só escrito no papel, é preciso que haja uma monitorização, ou seja, uma fiscalização, verificar se, de facto, essa área está a aumentar ou não”, disse, destacando que cabe ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática, através do Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta, (ICNF) fazer esse inventário.

O relatório mais recente sobre a presença de eucalipto em Portugal foi divulgado pelo ICNF em 2019, baseado em observações até anteriores à tragédia de Pedrógão Grande, em 2017, o que Filipe Duarte Santos considerou “surpreendente”, sobretudo num contexto em que “o risco de incêndio florestal tem estado a aumentar, em parte devido às alterações climáticas”.

O especialista salientou que existem empresas que “gerem excelentemente” áreas de monocultura de eucalipto, onde mantêm “um nível de eficiência em toda a cadeia de valor da produção de pasta de papel” e “algumas preocupações de sustentabilidade”.

No entanto, existe depois o resto e que é a generalidade da floresta portuguesa: “Áreas em que houve incêndios florestais e que, depois dos incêndios, não se fez praticamente mais a gestão da floresta, que cresceu de uma forma espontânea, desordenada”.

“Isso é uma coisa que não tem valor económico, ou tem um valor económico muito baixo, e é uma coisa que, de certo modo, é perigosa, porque a disponibilidade para proteger esse tipo de áreas do risco de incêndio é menor do que numa floresta que está bem gerida. Portanto, esse é talvez o problema principal. É isto que importa tentar evitar”, considerou.

Para isso defendeu “um diálogo muito mais próximo entre o Governo e as entidades governamentais”, como o ICNF e as associações de proprietários florestais, “no sentido de tentar chegar a formas de melhor gerir a floresta”, de chegar a “incentivos para que haja melhor gestão” florestal.

Num território com mais de 90% da propriedade florestal privada, onde o Governo não pode intervir diretamente, falta ainda um cadastro da propriedade de todas as parcelas onde há mato e floresta em Portugal.

Filipe Duarte Santos destaca que muitos dos proprietários das parcelas de propriedade florestal que existem em Portugal resultam de heranças indivisas, por vezes, “há várias gerações”, pelo que muitas pessoas são proprietárias de menos de um metro quadrado de floresta e nem sequer sabem exatamente qual é esse metro quadrado, nem o conseguem gerir.

“É muito difícil gerir a floresta nessas circunstâncias, até porque os proprietários estão desvinculados da sua propriedade. A propriedade no fundo está abandonada. As pessoas já não se lembram que têm aquela propriedade, mas o facto é que, de acordo com os registos, são proprietários, o que é um problema que não está resolvido, que os nossos Governos, no plural, não conseguiram ainda resolver”, sublinhou.

Falta “músculo” e fiscalização para travar multiplicação de eucaliptos

O especialista em direito do ambiente José Trincão Marques considerou que falta músculo político e fiscalização para travar a proliferação de eucaliptos em Portugal, um dos fatores que levam ao despovoamento e ao abandono dos territórios, sobretudo no interior.

José Trincão Marques salienta que só se fala nos incêndios florestais quando há crises como a desta semana, mas já se poderia ter feito “mais alguma coisa relativamente ao reordenamento florestal”, nomeadamente contra a proliferação de eucaliptos, pelo menos desde a tragédia de Pedrógão Grande.

“Esta é a principal questão. Acho que é mais eficaz, mais inteligente e mais económico combater o problema a montante, no ordenamento florestal, com mais resultados, do que propriamente a jusante, quando os problemas acontecem”, disse.

Para Trincão Marques, o problema da floresta não são só os eucaliptos, mas “toda uma conjugação de fatores como de alterações climáticas, desordenamento florestal, despovoamento do interior e abandono da agricultura e da pastorícia nos termos em que havia há uns anos”.

No entanto, embora sem dados atualizados e fidedignos, os eucaliptos “estão em expansão descontrolada pelo país todo”, apesar das leis que estabelecem limites à sua plantação.

“O problema é mais de fiscalização e de monitorização do que propriamente, se calhar, até de lei”, considerou.

Trincão Marques destacou ainda que há um ‘lobby’ muito forte das celuloses, que faz o seu trabalho e que agora até vem com o argumento de que os eucaliptos são dos maiores sumidouros de carbono, contribuindo para o combate às alterações climáticas.

“Pode ser verdade, mas a que preço?”, questionou.

“É necessário músculo político, porque o poder é um principio constitucional. O poder económico deve estar subordinado ao poder político. Este é um princípio fundamental da nossa Constituição da República. E, volto a repetir, o ‘lobby’ das celuloses é fortíssimo em Portugal”, sublinhou.

Já o Código Civil de 1966 impunha cuidados nas plantações de eucaliptos e acácias, por serem espécies que, com a sua capacidade de reprodução, abafam completamente as restantes.

“Tivemos várias fases de desflorestação intensa. A nossa floresta de hoje não é a mesma de há 200, 300, 400 anos. Os descobrimentos causaram uma desflorestação intensa, sobretudo de carvalhos, para construir naus. A construção do caminho-de-ferro também foi outra altura de grande desflorestação, para construção das sulipas para as linhas. Houve progressiva introdução de árvores exóticas, mas esta questão da cultura intensiva de eucaliptos só se põe nos últimos 50 anos”, contou.

Admitindo que “há florestas de eucalipto que estão bem ordenadas e bem cuidadas”, salientou que “o problema é o descontrolo”.

“Temos essencialmente minifúndios no centro e no norte do país, e cada pessoa planta os seus pés de eucalipto, e o próprio eucalipto vai-se alastrando com as sementes e as raízes. E o problema é que, depois, essa floresta não é ordenada. Se houver ordenamento florestal, o problema deixa de existir com esta gravidade”, considerou, salientando que os eucaliptos, mesmo em áreas ardidas, dão origem a novas árvores, já que cada raiz pode produzir mais do que um rebento.

Tal como na generalidade das culturas intensivas, estas áreas com eucaliptos representam “uma perda de biodiversidade”.

“No meio de um eucaliptal grande, quase que não se ouve nada. Não se ouvem outros seres vivos, mamíferos, pássaros, ao contrário do que sucede com outros bosques, com outro tipo de árvores, com outras espécies de plantas. Estas árvores são árvores de crescimento rápido e consomem muita água também. Secam os solos, causam desertificação, não só natural, mas também humana. Afastam as pessoas dos locais, porque não há mais nada. Havendo eucalipto não há agricultura, não há pastorícia”, concluiu.

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