Inspirado em “Danças a um Deus Pagão”, de Brian Friel, “Fonte da Raiva”, sobe ao palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, sob a forma de cenas curtas intercaladas pela intervenção da narradora, interpelando diretamente o público.
Amélia é filha de mãe branca e pai negro. Decide regressar às ruínas da casa onde nasceu, em Fonte da Raiva, uma das aldeias mais pobres de Portugal. A ação decorre em 1962 e evoca memórias desse verão – o verão de todas as mudanças. “O império português, desde a queda de Goa, o assalto ao Santa Maria e o início da guerra colonial, iniciara a sua lenta agonia, no ano anterior”, lê-se na sinopse disponível no site.
Se o texto original situa a ação numa Irlanda em mudança de uma tradição rural que se começa a industrializar, nesta encenação de Cucha Carvalheiro é o Portugal continental, a emigração em massa e o recrutamento de homens para a guerra que enquadram a trama. A sangria de homens em idade “casadoira” deixa muitas noivas por casar e os postos de trabalho nas fábricas são assegurados pela mão de obra feminina.
O tio de Amélia, missionário em Angola, regressa repentinamente. Diz sofrer de malária, mas tudo aponta para que tenha sido expulso pelas autoridades por defender a independência das colónias e se ter convertido ao paganismo. O pai, um negro hedonista e fanfarrão, é expulso da universidade por ter participado numa manifestação do Dia do Estudante. Espera-o Angola e a morte, no Tarrafal, após ter sido acusado de deserção.
Numa terra profundamente conservadora, o nascimento clandestino de Amélia fez cair ainda mais em desgraça as cinco irmãs. A miséria ronda qual uma hiena.
A irmã mais velha dá aulas e é o principal sustento da casa, mas as posições políticas e religiosas do irmão ditam o seu afastamento do ensino. Duas das suas tias fogem sem deixar rasto, na sequência da abertura de uma fábrica concorrente nas imediações de Fonte da Raiva. Augusta, a tia lésbia e a preferida de Amélia, emigra para França para não ser massacrada pelo escárnio e maldizer dos habitantes da aldeia. Resta Ana, a mãe solteira de Amélia, condenada a trabalhar na fábrica para sustentar os estudos da filha. Sozinha e amargurada.
Bruno Huca, Cucha Carvalheiro, Inês Rosado, Joana Campelo, Júlia Valente, Leonor Buescu, Luís Gaspar e Sandra Faleiro dão voz e corpo a “Fonte da Raiva”, que estará em cena de 1 a 12 de fevereiro no Teatro São Luiz, em Lisboa.