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Frans Timmermans: “Nostalgia é o novo ópio do povo”

Em Lisboa, numa conferência sobre ameaças à democracia, o vice-presidente da Comissão Europeia acusou que durante anos a Europa “tratou os cidadãos como consumidores”. Enrico Letta, ex-primeiro-ministro italiano disse que fenómenos como o Brexit ou Trump são da responsabilidade das elites.
6 Março 2018, 07h00

Os nacionalismos e o populismo são ameaças sérias ao espírito democrático europeu e a Europa necessita de se reencontrar com os seus cidadãos. O argumento foi partilhado pelos oradores internacionais e nacionais que dividiram o palco da Conferência “Fortalecer a Democracia na Europa”, organizada pela Fundação Gulbenkian e pelo Instituto Jacques Delors, em Lisboa.

O primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, defendeu que a “nostalgia [em relação ao passado] é o novo ópio do povo”, revelando-se um terreno fértil para o nacionalismo. “Está a crescer esta uma nostalgia na Europa, está a criar-se uma ideia de um passado que nunca existiu. O futuro não tem que ser mau”, disse.

“Durante décadas tratámos cada vez mais os nossos cidadãos como consumidores, mas se formos consumidores, se não gostamos consumimos outra coisa. Enquanto que se formos cidadãos temos de responder pelo que acontece, temos de ter um papel ativo. Só temos um senso de bem comum se compreendermos isso”, defendeu Timmermans.

O representante de Bruxelas identificou em particular três desafios para os quais a democracia europeia necessita de encontrar resposta: o sentimento de ameaça de identidade nacional com as ondas de migração; a economia na era da globalização e as alterações de poder.

“Estamos numa sociedade pós-paternalista e temos que incluir este desejo de idealismo. Precisamos ir para a rua, sermos ativos civicamente. A maioria que discorda daqueles que advogam uma sociedade fechada não se manifesta, então estas pessoas continuam a falar no que dizem ser em nome do povo”, alertou, acrescentando: “Estamos a dividir a nossa sociedade. Só nos sentamos com pessoas que concordam connosco, não falamos com pessoas que discordam de nós”.

Para Timmermans uma das necessidades de reformular a democracia passa também pela compreensão das assimetrias económicas, que distanciam os cidadãos das instituições. Urge, deste modo, “atacar os grandes gigantes. Os que têm mais dinheiro muitas vezes pagam zero de impostos, enquanto as lojas de rua pagam muito. Isto está a criar várias divisões na sociedade”, defendeu.

 

“Brexit e Trump são fenómenos da responsabilidade das elites e não dos populistas”

Também o presidente do Instituto Jacques Delors e ex-primeiro ministro italiano, Enrico Letta, deixou críticas aos ideais populistas, mas alertou: a responsabilidade por fenómenos como o Brexit é dos políticos do establishment.

“Será que temos Brexit porque foi o destino? Não, tivemos Brexit porque os líderes do establishment britânico apostaram o futuro do país para resolver problemas internos”, defendeu.

Realçou não estar a defender os populistas, mas considerou que “é importante entender a origem do problema”. E, para Letta, a origem é simples: “Brexit e Trump são fenómenos da responsabilidade das elites e não dos populistas”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, frisou a “desvirtuação autoritária da democracia”, o crescimento do nacionalismo anti-europeu e o “afastamento entre as instituições europeias e os cidadãos” no atual quadro europeu.

Também o ex-Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional e professor no Instituto Europeu de Florença, Miguel Poiares Maduro, destacou a existência de uma “fragmentação no espaço cívico que leva a uma radicalização do discurso e aumenta a dimensão emocional na política hoje em dia”.

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