Na semana passada, a Apple e a Google bloquearam o jogo Fortnite das suas lojas de aplicações – a App Store e a Google Play – por entenderem que a Epic, a empresa que o desenvolve, violou a política destas lojas ao oferecer descontos aos utilizadores que fizessem compras fora destas aplicações. A comissão de 30% cobrada pela Apple e pela Google, e considerada excessiva pela Epic, está na origem da disputa.

A notoriedade dos intervenientes levou a que o caso gerasse uma onda de entusiasmo e de comentários e à multiplicação de previsões sobre o desfecho da contenda jurídica, política e mediática que agora se inicia e onde a Epic começa por pedir o fim dos bloqueios. Veja aqui o vídeo que divulgou a mobilizar apoiantes.

Os factos não deixam de mostrar que a Epic teve uma atitude arrojada, até certo ponto invulgar nestes casos. Certamente que não contava que a sua política passasse despercebida, pelo que a jogada envolveu o risco (expectável) de ser bloqueada e de incorrer em perdas de negócio pelo tempo necessário até que a situação se restabeleça. Sem dúvida que é também a sua dimensão e deep pocket que lhe permitem travar uma guerra com resultados sempre incertos.

Sem prejuízo de não se conhecerem muitos detalhes, com base no que veio a público, o caso parece ser desafiante para a Epic, na perspetiva das regras de concorrência aplicáveis em Portugal e na União Europeia.

Ainda que se revista de algumas caraterísticas que o particularizam, não deixa de na sua essência ser um diferendo sobre a justeza da comissão que a Apple e a Google cobram pelas vendas nas suas plataformas. A Epic quer pagar uma comissão mais baixa. A Apple e a Google não prescindem dos 30%. O problema é que, sobre estas matérias, as autoridades de concorrência da União Europeia, incluindo a portuguesa, sempre se mostraram muito relutantes em intervir, agindo apenas em casos muito particulares.

Embora na UE a prática de preços excessivos se encontre vedada a entidades detentoras de posição dominante (não se discutindo aqui se a Apple ou a Google se podem encontrar em tal posição, mas assumindo, por hipótese, que sim), uma intervenção sobre o que sejam preços excessivos coloca grandes dificuldades.

Não só não é possível (nem desejável) lançar mão de uma fórmula universal para determinar o que seja um preço excessivo, como a circunstância de estar em causa um conceito indeterminado (e neste caso uma indústria dinâmica) envolve-o num manto de incerteza jurídica (e económica), que dificulta a vida às autoridades. Por outro lado, o risco de falsos positivos que distorçam os incentivos das empresas e perturbem o funcionamento do mercado livre, reforçam a necessidade de uma particular cautela.

Vale a pena recordar que em algumas jurisdições, como é o caso dos EUA, praticar preços excessivos nem sequer é proibido, assumindo-se que a possibilidade de cobrar tais preços é precisamente o que motiva o investimento, induz a assunção do risco pelas empresas e provoca inovação e crescimento.

Tudo isto não significa que esta batalha de titãs tenha vencedor antecipado. Quer dizer, isso sim, que a Epic vai precisar de guerreiros (como os avatares que navegam pelos ecrãs do Fortnite) para explicar às autoridades porque é que faz sentido intervir neste caso e não deixar apenas o mercado funcionar. Let the games begin!