As últimas semanas foram dramáticas para François Fillon. Cercado pela justiça, o candidato conservador às presidenciais francesas insiste em não se retirar. Atrincheirado no resultado de umas primárias que decorreram antes da publicitação dos alegados empregos fictícios da mulher, Fillon avança para uma eleição muito arriscada para si, para o seu partido e, sobretudo, para a França.

O sistema eleitoral francês (maioritário a duas voltas) foi projectado para conferir uma certa estabilidade no Parlamento e na Presidência. Em linha com a tradição do país, fomenta a existência de dois blocos e a arregimentação à esquerda e à direita. Esta lógica começou a ser corrompida com o apoio encapotado de François Miterrand à divisão da direita. Nos anos 70, Miterrand percebeu que para assegurar a sempre adiada vitória da esquerda (V República) precisaria de uma direita dividida. Historicamente, nada disto era novidade, como o comprova a ocupação francesa pela Alemanha (1940-1944).

A ressurreição da divisão começou com uma pequena Frente Nacional (FN), liderada pelo radical Jean-Marie Le Pen, facilmente controlável pelo sistema eleitoral. A estratégia era simples: em legislativas, numa primeira volta, a FN apresentava-se, retirando eleitorado ao centrismo e ao gaullismo e, na segunda volta, recusava-se a retirar os seus candidatos ou a apoiar estes partidos. Quem ganhava com isto? A esquerda, com um pragmatismo fomentado pelo sistema a duas voltas.

Até agora, como se pode verificar pelas configurações das diferentes legislaturas, o sistema conseguiu conter a FN. Porém, em 2017, com o fracasso da presidência de François Hollande, por um lado, e a hecatombe que se abateu sobre a direita tradicional, com a obstinação de Fillon, nada pode ser dado por assegurado. O PS quase desapareceu e os seus simpatizantes optaram por Benoît Hamon, um candidato claramente à esquerda, espaço em que concorre com Jean-Luc Mélenchon. A sua passagem à segunda volta, por agora, é tida como impossível.

A única esperança na contenção de Marine Le Pen parece, assim, residir em Emmanuel Macron. No entanto, o antigo ministro socialista enfrenta dois problemas: indefinição de programa e ausência de um partido sólido que permita enfrentar as quatro voltas do ciclo eleitoral (duas nas presidenciais e duas nas legislativas). Por outro lado, uma eventual passagem de Fillon à segunda volta poderá implicar a desmobilização eleitoral da esquerda e colocará Le Pen num cenário favorável, com uma campanha centrada na “honestidade” e na degradação dos “velhos partidos”. Onde é que já ouvimos isto?

O autor escreve segundo a antiga ortografia.