As duas primeiras semanas de janeiro trouxeram com elas temperaturas historicamente baixas, pouco vento, nenhuma precipitação, elevada procura de energia e, por consequência, preços do gás natural e do mercado diário (spot) de eletricidade muito altos em Portugal e Espanha.

Neste período, os preços médios diários ultrapassaram os 90€/MWh que comparam com uma média anual de 34€ /MWh em 2020. É certo que 2020 foi um ano historicamente baixo no custo de energia em Mercado, até pelo efeito Covid, mas ninguém antecipava esta “tempestade perfeita” que resultou em subidas de mais de 250% neste início de 2021.

A energia tem, como todas as commodities, mercados spot altamente voláteis, que contrariam a necessidade de estabilidade de preços que o sector ambiciona e necessita, e essencial para famílias, empresas, investidores do setor e instituições financeiras.

A transição energética que tanto desejamos, em Portugal e no mundo, também vive desta estabilidade ou pelo menos da boa estimativa de preços no médio e longo prazo.

Não sendo possível, nem desejável ou sequer legal, controlar o preço de curto prazo, até porque este depende muitas vezes também de variáveis e políticas energéticas não decididas em território nacional, é necessário ter um mercado de longo prazo a funcionar corretamente, com liquidez, representatividade dos preços, agentes heterogéneos, e produtos adequados, que permitam cobrir o risco da volatilidade dos preços do mercado spot.

Este enquadramento estável permite o desenvolvimento de projetos ambiciosos e assentes em remunerações estáveis e interessantes do ponto de vista do investimento sustentável.

É certo que os famosos PPA (Power Purchase Agreement) estão a fazer o seu caminho, e que estes acordos de longa duração entre produtores, comercializadores e consumidores trouxeram nos últimos anos alguma estabilidade aos investimentos no sector, mas são contratos com pouca flexibilidade e muita complexidade, isto para além das elevadas exigências financeiras, só atingíveis por empresas de grande dimensão.

Assim, é no mercado de derivados de energia, nomeadamente com os contratos futuros, que estará a solução mais adequada para a fixação, e estabilidade de preços para todos os agentes da cadeia de valor do sector. O problema, que é mais estrutural que conjuntural e conhecido (e reconhecido) desde há muito, é que este mercado não tem a liquidez que seria necessária.

A dificuldade não está nos produtos disponíveis, que são muitos (forwards, swaps, opções, futuros) e com diferentes maturidades disponíveis (é possível negociar desde o Dia+1, até ao Ano+10), nas zonas de entrega (Portugal e Espanha), nos tipos de entrega (física ou financeira), nem mesmo nos agentes que fazem parte das diferentes bolsas e Brokers onde se negoceia produtos de hedging sobre a eletricidade ibérica.

O problema é que estes contratos, historicamente, na Península Ibérica carecem de profundidade, consistência e principalmente liquidez (número de negócios e de energia negociada bem como de ofertas disponíveis para executar transações).

Fenómenos como os que se fizeram sentir nesta primeira quinzena, apenas previsíveis no curto prazo (no caso da descida de temperatura), provocam dificuldades na gestão do negócio dos comercializadores, que se vêm obrigados a manter ou até a aumentar as suas garantias ao sistema (sob risco de ficarem inibidos) e a suportar o aumento do custo da energia (por vezes repassado ao consumidor). Esta exposição poderia ser evitada caso o mercado oferecesse maior liquidez nos produtos a curto prazo (semanas e fins de semana), e até a possibilidade de adquirir contratos de menor valor nominal.

Também a médio prazo (mês seguinte até ao terceiro ano seguinte), onde é possível encontrar, apesar de tudo, mais liquidez, a oferta é muitas vezes limitada em termos de profundidade e condicionada em termos de valor nominal (apenas é possível comprar acima de um determinado número de contratos).

Por exemplo, se compararmos o volume ibérico negociado nestes mercados em função do volume de energia efetivamente consumido (índice utilizado para medir a liquidez dos produtos a prazo de um determinado mercado) com outros países europeus para o ano de 2020 as diferenças são gritantes. Se em Portugal e Espanha o volume negociado em produtos de longo prazo representa cerca de 60% do consumo ibérico, na Alemanha esse valor atinge 800%, na França e Holanda quase 200% e na Itália perto de 150%.

O conselho de reguladores do MIBEL está neste momento a trabalhar, uma vez mais, para tentar que o mercado de derivados tenha a dimensão, dinâmica e a liquidez que o sector ambiciona.

Com o esforço de todos os stakeholders do MIBEL, podemos e devemos ter um mercado que compare “bem” com os nossos congéneres europeus. Para que uma vaga de frio extremo seja só uma situação anómala e devidamente amortecida por todos os agentes da cadeia de valor do sector, recorrendo às ferramentas de um mercado justo, transparente e eficiente.