Os factos

1. A escassos minutos da meia-noite de 31 de Dezembro de 2021, a Comissão Europeia fez chegar aos Estados-membros, como noticiou grande parte da comunicação social de toda a Europa, um projecto de rotulagem verde, que acrescenta o gás natural e a nuclear ao conjunto das “actividades virtuosas” para o clima, por entender que estas duas fontes de energia reúnem elevado “potencial de contribuir para a descarbonização da economia”.

Esta posição “ecuménica” de agradar a gregos e troianos não agradou a vários Estados-membros. Luxemburgo e Dinamarca manifestaram descontentamento pela inclusão da nuclear. A Áustria ameaça recorrer à Justiça europeia pela mesma razão. A Alemanha condena também a junção da energia nuclear e assume o desacordo com a França, através de declaração de 7 de Janeiro da Secretária de Estado Alemã dos Assuntos Europeus, sublinhando que a Alemanha conhece bem “a posição francesa sobre o nuclear”, da mesma maneira que Paris “sabe muito bem qual é a posição alemã”.

Os verdes europeus, com excepção dos finlandeses pró-nucleares, também condenam a atitude da Comissão. No entanto, dizem compreender que a Comissão tenha tido pressões dos lobbies do gás e do nuclear para fazer transitar estas energias do passado “a verdes”, destacando que o lobby nuclear é dirigido pelo Governo francês. A referência explícita ao Governo como lóbi deve-se à aposta de Macron que, ainda em Novembro último, foi claro na defesa da nuclear como energia de futuro para o seu país, sobretudo agora entusiasmado com as tecnologias de 4ª geração e as centrais de mini reactores SMR.

2. A propósito refira-se que a China, segundo a Agência de notícias Bloomberg (8 de Janeiro), pôs a funcionar, pela primeira vez no Mundo, um SMR ligado à rede eléctrica do País, com a capacidade de fornecer energia a 200 mil habitações.

3. O lobby nuclear está, de facto, activo. Em Outubro último, a França fez circular, na comunicação social europeia, uma posição em defesa da energia nuclear. Posição também assinada por vários países, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Finlândia, Hungria, Polónia, República Checa e Roménia. Muitos destes países estão em vias de abandonar a produção de energia a partir do carvão e a analisar o caminho a seguir.

As razões de protesto

4. Este alargamento da lista das actividades sustentáveis, embora com algumas condições restritivas, facilita o acesso a condições mais favoráveis ao financiamento dos investimentos das centrais a gás natural durante o próximo decénio e das nucleares nos dois próximos decénios.

Thierry Bretton, comissário europeu do Mercado Interno, estima que a nuclear de nova geração necessita de um investimento de “500 mil milhões de euros até 2050” e considera estruturante, no quadro da transição energética, o alargamento do rótulo verde bem como a corrida ao capital entre as diversas fontes de energia.

A questão dos financiamentos em condições mais favoráveis de custo e em concorrência é, de facto, a pedra angular da guerra dos lobbies. Ora, os lobbies das renováveis entendem que este alargamento desvia financiamentos e fundos comunitários para projectos no domínio da nuclear, ainda mais quando os pequenos reactores (SMR) estão a ganhar projecção na Europa e no Mundo.

5. A Alemanha, por seu lado, reconhece que não é maioritária na Europa na condenação do nuclear. Assume a posição por uma questão de “independência política”, nada dizendo, porém, sobre o gás natural.

A coerência

6. As razões subjacentes à condenação da nuclear e do gás natural como energias “limpas”, nada têm de comum.

O gás natural é de origem fóssil e, como tal, poluente lançando na atmosfera dióxido de carbono (CO2) e não se vislumbra no horizonte qualquer tecnologia que venha a resolver este efeito nocivo.

A sua inclusão é um puro contra-senso em termos climáticos. Como as energias renováveis são intermitentes precisam de outras fontes de energia para colmatar as falhas de produção que são muitas. Em sua defesa, surgem os lóbis e governos, sobretudo o alemão, defensores do gás e das renováveis.

Este tipo de argumento não colhe para a energia nuclear pois segundo alguns especialistas é a mais limpa e de produção contínua.

A questão está na segurança, o problema dos detritos radioactivos e os acidentes nucleares e não a qualidade da energia produzida. Os avanços tecnológicos são significativos e, agora, com os SMR, o risco torna-se ainda mais reduzido. Ficou, contudo, o sentimento profundo nas pessoas associando as bombas sobre Hiroxima e Nagasáqui na Segunda Guerra mundial.

Por outro lado, os três maiores acidentes nucleares foram dramáticos e, em especial, Chernobyl. Mas não houve acidentes por exemplo em França, o país que consome em termos relativos mais energia de origem nuclear (>70%). E ainda segundo indicadores da OMS para um período alargado incluindo Chernobyl, o número de mortes da nuclear é inferior ao de qualquer outra fonte de produção de energia.

Contudo, ficou intuído um sentimento de dimensão distorcido como ocorre com os mortos em acidentes de automóvel e aviação.

7. Assim, a Comissão na sua atitude de equilibrar os interesses incluiu o gás natural indo em contraciclo ao que se pretende na transição climática: “descarbonizar as economias”. Pensamos que deveria ter havido tratamento diferenciado privilegiando a Investigação e a Ciência, fundamentais em termos de Futuro.

Perspectivas

8. A energia nuclear avança em duas direcções:

  • Na produção segundo tecnologias de nova geração e SMR, na base da “fissão” nuclear, ou melhor, “cisão” na opinião de um amigo conhecedor. Fissão – diz – é termo de importação brasileira.
  • E na Investigação da fusão nuclear.

A competição entre a China e EUA neste domínio apresenta-se positiva.

Recentemente, a China deu um grande passo pois um dos seis reactores (EAST) experimentais, afectos à fusão nuclear, manteve o plasma durante mais de 17 minutos a temperaturas elevadíssimas. Para os cientistas, este avanço face ao anterior de três minutos é entusiasmante e uma boa referência.

9. Porquê a aposta na fusão nuclear?

Quando a Humanidade dominar a fusão nuclear teremos energia que não emite dióxido de carbono (CO2), nem detritos radioactivos, nem acidentes graves. Uma energia limpa em toda a fileira.

Neste momento, a situação é de confiança na ciência. A progressão é sustentada. Uma cooperação descomplexada entre os cientistas dos diferentes países, que há apesar de tudo, aceleraria os trabalhos experimentais.

Com a fusão nuclear dominada, a solução do problema da produção de electricidade é uma certeza. E o problema da transição energética fica em grande parte resolvido, dispensando-se eventualmente a prazo as renováveis de hoje ou serão exploradas para fins muito específicos, com a nuclear a substituir a sua função na produção de hidrogénio verde.

Com a tecnologia da fusão dominada e operacional atingiremos o grande objectivo: produzir energia eléctrica ilimitada e limpa.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.