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Gastão Cruz: uma vida a exprimir a vida da poesia

O poeta, ensaísta, professor, tradutor e crítico literário Gastão Cruz morreu este domingo, 20 de março, aos 80 anos.
  • © Miguel Casado
21 Março 2022, 17h47

“Quando só formos a palavra abstrata / nem já nome de corpo / – incapaz de servir-se da linguagem / quem a retirará das águas?”, Enigma, in As Leis do Caos

A palavra é o grande legado que Gastão Cruz deixa, após a sua morte, este domingo, 20 de março, aos 80 anos, no Hospital Egas Moniz, em Lisboa. A palavra e a sua forte ligação à terra onde nasceu, Faro, em 1941. Muitas vezes abordou temas como o mar, a areia, as plantas e os seus aromas e, sobretudo, o silêncio e o isolamento, dando corpo à sua  revolta face à destruição da paisagem onde cresceu, em particular a Ilha de Faro, onde passava as férias de verão.

Mas não só. A dor, a metamorfose, a guerra colonial (“Outro Nome e Aves”) e a morte (“As Pedras Negras”) também estão presentes na sua obra. O seu primeiro livro, publicado quando tinha apenas 19 anos, “A Morte Percutiva” – incluído no volume coletivo intitulado “Poesia 61”, que reúne textos de cinco jovens poetas, Casimiro de Brito, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge e Maria Teresa Horta –, é um manancial de pistas sobre um autor que começou por abraçar a escrita experimentalista para, depois, adotar formas clássicas como o soneto e a canção

Gastão Cruz é autor de uma obra muito diversa, publicou, entre outros, os seguintes títulos: “A poesia Portuguesa Hoje” (1973); “Campânula” (1978); “Transe” (1960-1990); “Poesia Reunida” (1999); “Crateras” (2000) – Prémio D. Dinis; “A Moeda do Tempo” (2007), que recebeu o prémio de poesia do PEN Clube Português; “Escarpas” (2010), “Observação do Verão” (2011), “Fogo” (2013) e “Óxido” (2015).

Foi professor do ensino secundário entre 1980 e 1986, exercendo paralelamente a carreira de leitor de Português no King’s College, de Londre.  Nos anos 1970 a 1990, foi diretor do grupo de teatro Teatro Hoje/Teatro da Graça, que ajudou a fundar. O gosto pelo teatro levou-o a mergulhar no universo da tradução. Entre outros autores, traduziu August Strindberg, Albert Camus, Anton Tchekhov, William Shakespeare e Cocteau.

O último livro dado à estampa, “Existência” (2018), que arrebatou mais um Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (APE), oferece aos leitores “uma poderosa reflexão sobre a vida, a memória, o envelhecimento e o espectro da morte”, citando a editora Assírio & Alvim na apresentação da obra.

Um dos mais premiados autores da literatura portuguesa, deixa-nos reflexões como: “Hoje sei como se exprime a vida da poesia / com a sinceridade das emoções linguísticas / com que o mundo devasta e enche as nossas vidas”. Para ler e reler.

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