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George Soros. De “grande especulador” a ativista anti-Brexit

Há mais de 25 anos, o multimilionário “quebrou” o Banco de Inglaterra ao especular contra a libra. Agora diz que quer “o melhor para o Reino Unido” e vai ajudar o movimento anti-Brexit. A ingerência de Soros na política internacional é inegável e já lhe valeu uma série de “inimigos”.
28 Abril 2018, 14h00

O multimilionário George Soros, que somou milhões ao especular contra a moeda britânica na chamada “quarta-feira negra”, é um dos novos rostos que se juntaram à campanha “Best for Britain”, que pretende travar o processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE). No entanto, a iniciativa – que Soros acredita poder acabar com a “proposta perda-perda” do Brexit – gerou mal-estar entre os britânicos, que o acusam de “hipocrisia” e de querer “minar” a democracia, depois de quase ter levado o país à bancarrota.

O dia 16 de setembro de 1992 ficou para a História como a “Quarta-feira Negra” para o Reino Unido. Ao mesmo tempo, a data assinala o dia em que Soros se tornou “o homem que quebrou o Banco de Inglaterra” e conseguiu faturar mais de mil milhões de libras esterlinas por ter apostado na desvalorização da moeda. A situação obrigou o Reino Unido a deixar o Sistema Monetário Europeu – percursor da zona euro – e foi decisiva para o governo britânico rejeitar a moeda única, temendo a especulação e a possibilidade de futuras crises financeiras.

A queda vertiginosa da moeda britânica terá começado com as declarações do então presidente do banco central alemão, Helmut Schletsinger, ao jornal Handelsbatt. Aquelas que seriam palavras ditas em off-the-record foram publicadas e atribuídas ao governador do Bundesbank. “Helmut não descarta a possibilidade de, mesmo após o realinhamento e o corte das taxas de juro alemãs, uma ou duas moedas poderem vir a estar sob pressão”, lia-se na publicação, que levava a crer numa possível desvalorização da libra. O pânico não tardou a espalhar-se.

O governo britânico ainda tentou pressionar o banco central alemão a negar as declarações, mas era tarde de mais. A entrevista foi para as bancas e, no mesmo dia, registou-se a venda massiva de milhões de libras no mercado. Para evitar a pressão da queda da moeda nos mercados, o Banco de Inglaterra começou a comprar desesperadamente libras aos especuladores, com a finalidade de segurar o preço da moeda. Antes disso já tinha esgotado as suas reservas de moeda estrangeira para comprar a sua própria moeda.

George Soros percebeu a oportunidade e começou a vender libras ao banco central britânico enquanto a libra estava com um preço alto, para mais tarde voltar a comprar a um preço significativamente mais baixo. O investidor chegou a vender cinco mil milhões de libras, tendo conseguido encaixar milhares de milhões de dólares. E foi assim que Soros ganhou o epíteto de “o grande especulador” da libra esterlina.
Enquanto isso, e tendo em conta que a compra de libras, por si só, não era suficiente para aguentar o valor da libra, o Reino Unido foi forçado a suspender a sua permanência no mecanismo. Quando finalmente deixou de comprar libras no mercado, o Banco de Inglaterra já tinha gasto mais de 15 mil milhões de libras e a moeda tinha perdido valor. Os prejuízos para os bancos e para os contribuintes britânicos ultrapassaram os três mil milhões de libras.

“Obviamente, George Soros não é um amigo do Reino Unido”, afirmou o eurodeputado Ray Finch, do eurocéptico Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), reagindo à generosa verba que Soros enviou para o movimento anti-Brexit. “Ficou conhecido por ter apostado contra a libra em tempos e são os próprios defensores da permanência do Reino Unido na UE que têm criticado a alegada interferência estrangeira no referendo”, sustenta.

Uma ligação duradoura aos britânicos

Contudo, o magnata de 87 anos recusa as acusações que lhe apontam e descarta ser apelidado de plutocrata estrangeiro. “Dizem que a soma considerável de dinheiro que doei ao apoio do Remain no debate do Brexit está manchada e deveria ser devolvida imediatamente. Mas este país e esta democracia são muito importantes para mim”, fez saber Soros, numa carta enviada ao jornal britânico “Daily Mail”.

A ligação do húngaro-americano ao Reino Unido tem vários anos, quase tantos como os do próprio magnata. Foi para lá que o jovem Soros imigrou, fugindo da ocupação da Hungria pelas tropas nazis e do sufocante regime comunista que se lhe seguiu. Tinha apenas 17 anos e foi na cidade de Londres que se viria a tornar um “anglófilo confirmado”, como ele próprio se intitula. Estudou Filosofia na London School of Economics e ter-se-á fascinado pela teoria da reflexibilidade de Karl Popper, que veio depois a implementar no mercado de capitais e, sublinhe-se, com um estrondoso sucesso. Os números falam por si. O milionário tinha até recentemente uma fortuna avaliada em 26 mil milhões de dólares (mais de 21 mil milhões de euros), até ter doado cerca de 18 mil milhões à Open Society Foundations, fundação que criou e que se dedica a promover a democracia, os direitos humanos e a liberdade de imprensa.
A mesma democracia que os britânicos dizem agora que Soros está a influenciar. “George Soros terá dado dinheiro a alegados grupos parlamentares. Isto é ingerência real e todos sabemos disso. Ele e os 0,1% da elite global deveriam sair da política britânica”, sublinhou o eurodeputado Ray Finch.

A demonização de Soros

A contestação dos britânicos à influência de Soros na política internacional não é caso único. Na Hungria, país onde nasceu, o magnata é visto como “inimigo” do regime e o governo aprovou medidas para tentar diminuir a sua esfera de influência, afixando cartazes com mensagens contra o magnata, depois de ter forçado o encerramento de uma universidade financiada pelo milionário e de ter aprovado a lei de financiamento das ONG. Os valores liberais e progressistas que defende rivalizam com a doutrina ultraconservadora do primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, que defende uma “democracia liberal” semelhante à da Rússia, China e Turquia.

Também Israel veio acusar Soros de minar governos democraticamente eleitos, através do “financiamento de organizações que difamam o Estado israelita e negam o seu direito à autodefesa”. A Rússia é outros dos países que considera que o “grande especulador” faz parte de uma elite financeira que manipula o mundo a seu belo prazer. Recentemente, durante o Fórum de Davos, Soros instigou a fúria ao presidente norte-americano, Donald Trump, ao afirmar que o republicano é “um perigo para o mundo”, devido às suas políticas neoliberais e à disputa com a Coreia do Norte.

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