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Geração Alpha: “As escolas portuguesas não estão preparadas para receber as ‘novas’ crianças”

“O primeiro de uma série de itens ou categorias”, garante o dicionário Oxford, se procurar pelo significado da palavra ‘Alpha’, o nome atribuído à geração de crianças nascidas depois de 2010. Se a definição já é premonitória de uma geração desafiante, acredite que os ‘sinais’ se limitam ao conceito etimológico. Para Sue Bennett, professora da […]
17 Setembro 2019, 11h00

“O primeiro de uma série de itens ou categorias”, garante o dicionário Oxford, se procurar pelo significado da palavra ‘Alpha’, o nome atribuído à geração de crianças nascidas depois de 2010. Se a definição já é premonitória de uma geração desafiante, acredite que os ‘sinais’ se limitam ao conceito etimológico. Para Sue Bennett, professora da Universidade de Wollongong, na Austrália, e especialista em Educação Evolutiva, os ‘alphas’ são verdadeiros nativos digitais com um intrínseco conhecimento tecnológico, característica que os difere das gerações anteriores e que os torna na “geração mais revolucionária” que já conhecemos. Afinal, quem nunca viu um bebé que mal anda a mexer com a maior naturalidade num smartphone?

Este é o grande ponto de viragem: ao contrário dos pais, os bebés ‘alpha’ interagem com a tecnologia desde o nascimento. “As crianças têm cada vez mais estímulos e isso reflete-se numa aprendizagem mais rápida,

comparativamente a gerações anteriores. São crianças que viajam mais, que estão mais conectadas, mais atentas”, garante Isabel Sequeira, directora clínica do Centro de Psicologia e Desenvolvimento de Almada. Para a especialista, o comportamento dos ‘novos pais’ ajuda a este fenómeno – “os pais preocupam-se cada vez mais com a evolução cognitiva dos filhos. Estão mais atentos, pesquisam mais e procuram atividades que os estimulem”, explica. As redes de partilha parental que têm surgido nos últimos anos, sejam grupos nas redes sociais ou fóruns dedicados ao tema, demonstra isso mesmo. A velocidade de aprendizagem destas crianças acaba por fazer com que adquiram competências mais cedo do que o ‘previsto’, desafiando as guidelines de desenvolvimento infantil estabelecidas por Mary Sheridan e oferecendo aos cientistas um novo ‘objeto de estudo’. Mas se as ‘novas crianças’ são cada vez mais competentes, estarão as escolas preparadas para as receber? A professora Raquel Bragança conta que um aluno seu entrou directamente para a segunda classe com cinco anos. “Sabia ler três línguas e fazer cálculo. Aprendeu tudo sozinho!”, diz. Esta é uma excepção. Mas e se passar a ser a regra?

A filha de Catarina Perestrelo, fundadora da empresa Baby Jump, tem um ano e meio mas há quem diga que é mais velha. A mãe acredita que é uma criança “muito despachada” e tem razões para isso: calça os sapatos sem ajuda e é completamente independente na hora da refeição, competências que, segundo as diretrizes do Programa de Desenvolvimento Infantil da Direção Geral de Saúde, são ‘típicas’ apenas no segundo ano de vida.

O sociólogo Zygmunt Bauman acredita que a Era Digital criou um novo ser humano mas alerta para “a crise educacional em que vivemos”, segundo explicou em 2015, no Encontro Internacional Educação360 no Brasil. Para ele, o impacto da evolução do ser humano não é tido em conta no sistema educativo mundial e isso é preocupante. Segundo um estudo científico publicado numa revista de especialidade australiana, “esta é a geração mais conectada, educada e sofisticada de todos os tempos”. Porém, é preciso “atualizar os métodos de educação tradicionais para receber estas crianças”. Na verdade, e como apontou Bauman, esta nova fornada representa um duro desafio para o sistema educativo em Portugal.

Os ‘alphas’ são miúdos criativos, digitais, atentos e curiosos que devem ser estimulados nesse sentido. Acredita-se que serão seres altamente independentes e dinâmicos, focados para a liderança e com um papel ativo na evolução do pensamento e do espírito crítico. Além disso, pensa-se que serão a geração responsável por quebrar a barreira linguística, graças ao acesso descomplicado e ilimitado à língua inglesa nas plataformas digitais que frequentam. Para não ‘desvirtuar’ esta força geracional, há cada vez mais especialistas a apelar por uma reforma no sistema de ensino. “O ensino português é muito fechado e não está preparado para as receber”, partilha Isabel Sequeira. Para si, os métodos de avaliação, o regresso dos ‘quadros de mérito’ e a fraca relação entre os conteúdos teóricos e as atividades práticas são alguns dos pontos que demonstram a fragilidade do sistema de ensino português e que devem “ser atualizados” para corresponder às necessidades destas crianças. “As escolas portuguesas têm de mudar”, insiste a especialista.

Inglaterra foi o primeiro país a reformar o seu sistema educativo. Em 2014, o Ministério da Educação britânico incluiu aulas de programação no currículo programático nacional e criou ‘bibliotecas digitais’ para usufruto dos alunos. Em Portugal, a reforma está longe do ideal mas vai-se assistindo à remodelação progressiva do sistema, apesar de haver resistência. O Plano Nacional de Leitura, por exemplo, além de formar professores para a importância da narrativa interactiva na educação, através do programa ‘Alice Inanimada: Tradução de Literatura Digital em Contexto Educativo’, também disponibiliza plataformas digitais de leitura de acesso gratuito. Já o Real Colégio de Portugal inclui o empreendedorismo, a tecnologia e a liderança como eixos programáticos principais. Outro exemplo é a associação Zero em Comportamento que tem trabalhado no sentido de facilitar o acesso dos alunos ao cinema português, como veículo de aprendizagem, com sessões a três euros.

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