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Governo quer soluções definitivas para o crédito malparado

55% do crédito vencido encontra-se em situação de incumprimento há mais de 3 anos.
  • Cristina Bernardo
25 Setembro 2016, 14h48

Dadas as reduzidas perspetivas de recuperação, por parte dos bancos, de um montante relevante do crédito que se encontra em incumprimento, de acordo com a informação disponibilizada pelo Banco de Portugal, 55% do crédito vencido encontra-se em situação de incumprimento há mais de 3 anos. “Devem ser adoptadas medidas que permitam aos bancos retirar do seu balanço os créditos associados a estas situações e que se encontrem totalmente provisionados”, avança o Governo no documento das Grandes Opções do Plano para 2017, a que o Jornal Económico teve acesso.

“Esta informação, aliada ao facto de cerca de 78% dos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras terem garantias associadas, mostra que um processo de liquidação expedito é essencial para impedir a continuada deterioração do capital das empresas”, considera o executivo de António Costa.

“Deste modo, paralelamente à actuação direta junto das empresas, através das medidas de capitalização, dos programas de revitalização ou de medidas de cariz fiscal e regulatório, importa igualmente actuar na dimensão bancária desta questão. A acção sobre os NPLs deve assentar em medidas que actuem como incentivo à redução do seu stock, bem como à prevenção do surgimento de novos casos, como sejam a implementação de sistemas de early –warning a empresas (exemplo.: alerta de insuficiência de capitais próprios, indicando a necessidade do seu reforço e alternativas para a respectiva execução)”, diz o Governo.

Sem avançar com soluções globais concretas o Governo fala da  constituição de um grupo de trabalho com a participação dos principais stakeholders, nomeadamente a entidade supervisora, a associação empresarial do sector, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) e o Banco de Portugal, com vista a encontrar as tais medidas.

Recorde-se que o primeiro-ministro chegou a defender a criação de um bad-bank para limpar o crédito malparado dos bancos.

O documento que dá suporte ao Orçamento de Estado dedica, assim, um capitulo ao setor bancário e ao excesso de carteira de crédito malparado.

É, no entanto, preciso salientar que o conceito de crédito malparado tem sofrido nuances. O tradicional Non-Performing Loan (crédito em incumprimento há mais de 90 dias), evoluiu, pelas regras da Autoridade Bancária Europeia, para o Non-Performing Exposure (NPE), que foi adoptado pelo BCE. NPE inclui não apenas o crédito em incumprimento há mais de 90 dias, mas ainda o crédito que foi reestruturado, ou o crédito que sofreu concessão de novas condições para facilitar o pagamento (forbearance).

Mas o documento do Governo apenas contempla o NPL, crédito malparado há mais de 90 dias.

O valor total da dívida (em termos consolidados, em Dezembro de 2015) das sociedades não financeiras (SNF) ascende a cerca de 192 mil milhões de euros – cerca de 107,2% do PIB, o que representa uma redução de 4,9 pontos percentuais do PIB face ao homólogo. Não obstante a evolução apresentada, o nível elevado do endividamento do sector empresarial continua a apresentar se como um entrave ao crescimento económico, diz o Governo no preâmbulo.

Do total da divida das SNF (empresas), cerca de 115 mil milhões de euros representam crédito do sector financeiro, com o financiamento bancário (empréstimos e títulos de dívida) a ascender a 94 mil milhões de euros (compara com 101 mil milhões de euros no homólogo).

O crédito vencido (empréstimos) registado pelo setor financeiro residente face a SNF (empresas) ascende a 13 mil milhões de euros, o que se traduz num rácio de crédito vencido das empresas junto do sector financeiro de 15,8%. relata o documento.

De acordo com esta informação, diz o Governo, a fraca capitalização e o sobre-endividamento das sociedades não financeiras, que apresentam um rácio médio entre o custo do serviço da divida e EBITDA (dados trimestrais), em Dezembro de 2015, acima dos 20%, e com o total da dívida a representar em média 5,6 vezes o EBITDA, representam importantes desafios ao setor financeiro, na medida em que deles resultam, em larga escala, os elevados rácios de créditos em incumprimento no balanço do sector financeiro, explica o executivo de António Costa.

“A existência de um elevado nível de crédito em risco (NPLs) na carteira de crédito da banca portuguesa representa um risco para a estabilidade financeira, nomeadamente pelo efeito ao nível da rendibilidade do sector e pelo efeito potencial sobre a concessão de crédito à economia por parte dos bancos, e consequentemente sobre o crescimento económico”, diz o documento.

“A abordagem à redução do stock de NPL deve ser multifacetada tendo em consideração, por um lado, as restrições na envolvente estrutural, nomeadamente ao nível do sistema legal, judicial e fiscal e, por outro lado, os custos associados a abordagens mais agressivas por parte da banca. A resposta da banca deve ser igualmente balizada pelas exigências regulamentares europeias, nomeadamente a nível do capital, e pela capacidade de geração de resultados por parte dos bancos no presente contexto macroeconómico”, contextualiza o Governo.

Diz ainda o documento que “é igualmente essencial assegurar condições para que a banca possa accionar as garantias associadas aos empréstimos concedidos às sociedades não financeiras, recuperar o colateral e, assim também poder garantir o interesse de terceiros na aquisição dos créditos”. Esta tem sido uma reivindicação dos banqueiros, a agilização ´legal dos processos de recuperação de créditos.

“Neste contexto e tendo em consideração o cenário apresentado, o Governo tem desenvolvido várias linhas de acção. Em particular importa mencionar a constituição de um grupo de trabalho com a participação dos principais stakeholders, nomeadamente a entidade supervisora e a associação empresarial do sector [APB]”.

Os trabalhos desenvolvidos por este grupo têm como principal objectivo a redução do stock de NPLs (malparado) no balanço dos bancos “através da proposta e implementação de medidas que respondam aos constrangimentos identificados, nas diferentes dimensões do problema “, diz o Governo que a seguir enumera as diferentes áreas onde é preciso actuar para resolver o problema do crédito malparado, designadamente: Financeira/supervisão (processos internos dos bancos, contabilidade, regulação e supervisão); Legal e judicial (PER, SIREVE – Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial, insolvência, execução de colateral); Fiscal; e Mercado de NPLs (crédito malparado).

O Governo fala ainda da preocupação de outras entidades competentes, nomeadamente ao nível da supervisão, e que se traduz na adopção de várias linhas de acção concreta. A saber a “Recolha de informação granular sobre activos não produtivos (NPLs e imóveis em balanço) para as maiores instituições de crédito com referência a 30 de Junho de 2015 e desenvolvimento de um diagnóstico sobre a exposição e provisionamento das mesmas”; a “Análise transversal dos resultados do diagnóstico e desenvolvimento de cenários para aceleração da absorção de perdas”; “Apresentação dos resultados do diagnóstico e dos impactos dos diferentes cenários previstos às maiores instituições de crédito com o objectivo de discutir estratégias de solução para as preocupações prudenciais identificadas, incluindo a solicitação de planos específicos de redução do peso dos activos não produtivos no balanço desses bancos com impacto na avaliação de riscos pelo Supervisor”.

De entre as medidas a adoptar estão a “Publicação de carta circular a solicitar às instituições de crédito o reporte ao Banco de Portugal da imparidade de exposições específicas da carteira de crédito e da carteira de imóveis reconhecidos por recuperação de crédito, devidamente revista pelo auditor”, a “Manutenção de reuniões periódicas com os bancos, de acompanhamento dos planos desenvolvidos”, e a “Apresentação à indústria bancária dos resultados do diagnóstico efectuado e discutir formas de fomento da cooperação entre instituições bancárias no sentido de agilizar a recuperação de créditos de clientes comuns entre instituições”.

No âmbito do Processo de revisão e avaliação do Supervisor (SREP) de cada banco, “a aferição do impacto dos resultados obtidos da revisão dos auditores decorrente da aplicação da carta circular, bem como da execução dos planos de desinvestimento em activos não produtivos apresentados anteriormente pelas instituições de crédito”.

O desinvestimento em activos deverá passar por uma venda das carteiras de crédito em mercado. Mas essa possibilidade não expressamente citada no documento.

Em resultado do processo de SREP e da monitorização efectuada, aplicar medidas (Banco de Portugal ou Banco Central Europeu) em caso de desvios significativos face aos objectivos inerentes aos planos definidos.

No documento de apoio às Grandes Opções do Plano, é estabelecido um calendário indicativo para a implementação das medidas. Para o sector financeiro há apenas referência, e ainda sem data concreta, mas estando prevista para ser posta em prática ao longo do próximo ano, à intenção de “clarificar o entendimento sobre as condições em que
poderá ocorrer o desreconhecimento de créditos vencidos há mais de 24 meses, num cenário de imparidade total, designadamente se será suficiente, nestes casos, a manutenção de registo de créditos abatidos ao activo
em rubricas extrapatrimoniais ou se haverá necessidade de documentação adicional de suporte a integrar no dossier fiscal”.

Segundo as regras europeias, um cenário de imparidade de 1% já entra para NPE (Non Performing Exposure), segundo fontes ligadas ao setor financeiro.

 

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