“Foi um mau dia para a Democracia”, terá sido o comentário de Angela Merkel sobre o resultado das eleições no estado alemão da Turíngia, a norte da Baviera, que viu os votos de democratas-cristãos, liberais e da AfD elegerem primeiro-ministro Thomas Kemerich, liberal (FDP).

Foi a primeira vez que foi rompido o isolamento a que a AfD foi votada pelos restantes partidos. Kemmerich nega ter havido acordo prévio, mas tem contra ele um facto estranho: numa votação secreta ganhou por um voto e o candidato da AfD ficou em branco – nem o seu próprio partido lhe deu um voto que fosse. Não deixa de ser curioso: a Turíngia foi o primeiro lander onde os nazis tomaram o poder, nos anos 30, com o apoio dos conservadores. Pode não ser a História a repetir-se, mas é uma coincidência dos diabos.

Seria difícil a Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK) ignorar esta “revolta” do seu partido contra si, cada vez mais impopular na CDU depois das suas gaffes; incapaz de unir o partido, anunciou que abandonaria a liderança da CDU e não seria candidata nas eleições de 2021. Com esta decisão de AKK está reaberta a sucessão de Merkel, desta vez com a chanceler a ter um controlo limitado sobre a escolha, apesar dela ter deixado claro que quer ter esse papel.

A CSU, na pessoa de Alexander Dobrindt (ex-ministro do terceiro governo de Merkel e atual líder parlamentar da CSU), já disse que a decisão devia ser rápida, refutando o calendário proposto por AKK – no que foi seguido por parte da própria CDU. Vamos ver. Para já, Hirte, o Comissário do Governo Federal para a Turíngia, que felicitou Kemmerich pela sua eleição, já se demitiu – por pressão de Merkel – das suas funções. Kemmerich fez o mesmo.

À partida, o papel de Macron como líder europeísta sai reforçado. A sua posição clara de favorecer uma União Europeia forte, o seu bom entendimento com a Alemanha de Merkel, a forma como colocou as suas peças no xadrez comunitário (e em particular como pôs Lagarde no BCE na “troca” com von der Leyen), as suas sucessivas tentativas de redefinir e recriar uma União forte e coesa, são suficientes para lhe granjear esse estatuto. Até onde vai conseguir ir com uma Alemanha provavelmente mais virada para o interior, e sobretudo se Merkel deixar funções mais cedo, é questão em aberto.

Mais interessante porém é o que esta nova situação vai implicar sobre a política económica europeia. Os candidatos – Merz, que tem contas a acertar com Merkel, Spahn e Soeder, o favorito de Seehofer e da CSU – são muito mais nacionalistas que Merkel, contestando as suas posições na abertura à emigração e na estratégia europeia. Se for escolhido um deles, até a política monetária europeia, apesar da independência do BCE, será provavelmente mais “dura”.

Esperemos, portanto, que Merkel ganhe mais esta batalha e consiga impor Laschet, seu vice-presidente na CDU e seu provável favorito, mais “centrista” e moderado. Se não, vai ser uma maçada.