Esta comédia tão hilariante do saudoso Raul Solnado construída, quer na escrita quer na representação teatral, por uma vasta equipa de qualidade, com Solnado no topo, assenta num taxista de nome Juvenal Costa que vive para os lados do Beato numa pequeníssima casa, muito modesta e com imensas dificuldades económicas, correndo o risco de ter de entregar o táxi por falta de dinheiro para pagar as prestações do mesmo.

Um belo dia, a mulher do Juvenal vai arrancar uma alface ao quintal para uma salada e do buraco jorra petróleo. “Estando-se em plena crise mundial do petróleo, surgir assim um poço em Portugal, revoluciona tudo. Juvenal já se considera rico, os poderes nacionais e internacionais querem dialogar com ele, torna-se famoso e é assediado por todo o lado”.

A vida do casal transformou-se, a partir daí, num verdadeiro inferno com toda a gente de posses a assediá-lo para comprar-lhe a casa por uma soma convidativa. “Mas se realmente não houvesse petróleo no Beato?”

Não sei se para os lados de Belém e São Bento também há alfaces. E se realmente não houver alfaces em Belém e São Bento? Até porque não consta ou, pelo menos, não se ouviu ainda falar que por aí tenha jorrado. Certamente nenhum deputado foi arrancar alfaces!

Apercebemo-nos apenas lá pelos lados de S. Bento de “ameaças” de uso de petróleo virtual, com “todos ao molho e fé em deus”, num belo fim de tarde esperançoso, numa quinta-feira (que lhe faltou apenas ser santa, mas não ficou assim tão longe no tempo, embora pós quaresma). E tudo isto, parece, não irá além da “ilusão da alface”.

Uma questão sem dúvida complexa – a da contagem do tempo integral dos professores – independentemente do mau uso/orientação dado aos dinheiros públicos.

Esta questão é quase sempre vista desligada dos devidos e diversos contextos e fora do equacionamento de uma justiça equitativa. Para além das questões orçamentais presentes e de futuro, que não é um problema de somenos importância mas de acomodação da verba que acarreta, seja qual for a forma como se determina e o montante a que se chega, terá de ser paga desde que seja estabelecida.

Mas há um problema de fundo anterior que, para mim, sempre foi o mais importante: o da comparação ou de comparações variadas a ter em conta e que devemos relativizar muito bem.

Algumas perguntas, que penso não agredirem direitos de ninguém.

O tempo dos professores que se pretende seja contado é, na realidade, equivalente ao dos demais trabalhadores da Função Pública ou até mesmo ao dos professores universitários?

Outra questão. Apenas os trabalhadores das carreiras “especiais” no activo têm o direito de ver a sua situação reposta e de forma automática? Porquê? Que privilégio os fadou, e até nem se sabe porque são “especiais” as carreiras…

Outra comparação mais. E os pensionistas e reformados, “as camadas grisalhas”, que continuam com cortes significativos, recebendo bem menos por mês que em 2010, pelo menos, para além de um determinado montante de vencimento: 1.000 euros/mês?

“Há hoje quem veja a sua pensão reduzida em 1.000 euros, há quem a veja em 700, 600, 500, 400, 300, 200, 100 euros.” Estes valores são por mês, atenção, face ao ano de 2010! Estes grisalhos merecem ser melhor tratados, até porque descontaram o que lhes foi determinado e andaram a trabalhar uma vida. Também merecem, por conseguinte, ver os seus rendimentos num processo de reposição.”

Já escrevi isto aqui, há uns tempos, em artigo “A família grisalha em apuros”. Mas ninguém lhes dá esse direito, apesar de continuarem a pagar os seus impostos. Tome-se nota: a família grisalha continua a pagar impostos e a fazer descontos para a saúde. Não tem sindicato, nem partidos que a defenda. Mas não param o país. Por isso, não contam. São postos de lado. Estão a mais na sociedade!

Duro o que escrevo?! Não, objectivo. Sei que, politicamente, custa ouvir.

Mas vamos ao tempo de contagem e declaro que nada me move contra os professores, mas discordo da contagem porque se baseia num método de progressão que, para mim, sempre foi obtuso. Acho mesmo que em termos de equidade relativa beneficia extraordinariamente a classe, excluindo os universitários que têm outra forma de progredir na carreira.

Assumo o que digo, pois sempre tive esta posição.

Em toda a Administração Pública, os serviços têm quadros em pirâmide. Um exemplo concreto, a carreira dos técnicos superiores (licenciados): por exemplo, um quadro real com 20 lugares de técnico superior de 2ª; 12 lugares de 1ª; 5 de técnico superior principal, e 5 de assessor B e A (era esta a terminologia no meu tempo).

Não há progressões se não houver lugares vagos acima. O que significa que as progressões são lentas ou por vezes nunca se dão. Há técnicos desta carreira que se reformam em técnico superior de 1ª ou quando muito em principal. Isto é, em posição intermédia da carreira, pois a carreira tinha neste caso 5 “graus” – seria melhor dizer “degraus” difíceis. O técnico principal é do 3º, acima havia os assessores (B e A). Chegar ao topo sempre foi uma missão quase impossível (só uns quantos “privilegiados” com concursos, provas em certos casos) e só em departamentos novos.

Há estudos que revelam que a progressão média na Administração Pública é entre dez e 15 anos. Na carreira de professores, pelo contrário, não se verificam estes estrangulamentos. Estudos dizem que a progressão aponta para os quatro anos, ou seja, cerca de duas a três vezes mais fácil e mais rápido. Aqui funciona um certo automatismo na progressão. Questiono-me: esta situação é equitativa?!

Quis entender, poderei estar errado, que as contas do Governo tomaram isto em linha para fixar aquele tempo de contagem. Fazer uma certa correspondência na desigualdade em tempo de progressão.

Portanto o que falta aqui?

Uma mudança de fundo na Administração Pública em que todas estas questões sejam ponderadas e melhor equiparadas. Fundamentação do que são carreiras especiais e um método para uma melhor equidade que nunca será perfeita.

Há situações mais gravosas ainda que a dos professores em termos de equidade comparativa que não abordarei.

Mas o problema principal é que sem os buracos das alfaces a jorrar petróleo em S. Bento e Belém certamente não será fácil acomodar formas de progressão que deixam tantas dúvidas na sua equiparação relativa entre partes.

Que há muita culpa repartida e anterior existe. Nenhum governo foi, até hoje, capaz de pegar nesta questão das carreiras, equacioná-la e negociar no sentido de encontrar uma saída equilibrada que minore estas formas completamente desiguais de progredir.

Tudo isto “fora” da distribuição dos dinheiros públicos que é um outro problema societário de fundo e bem de fundo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.