Muito se tem falado do projecto urbanístico para o quarteirão da Portugália, na Av. Almirante Reis, em Lisboa, que prevê a construção de quatro prédios e a reabilitação dos edifícios do restaurante e antiga fábrica de cervejas, assim como a construção de uma zona comercial, escritórios e espaços de coworking.

Até aqui, tudo bem. Mas um dos prédios previstos é a tão polémica torre, que teria 60 metros. Na sequência de forte contestação, os promotores cortaram-lhe 11 metros. Mesmo assim, seriam 49 metros e continuaria a ser o maior edifício dessa avenida em termos de volumetria, onde os prédios mais altos têm pouco mais de 20 metros – solução que está longe de ser consensual.

Em alguns locais, a construção em altura pode fazer sentido e enquadrar-se, mas não neste quarteirão. Um projecto desta natureza descaracteriza e fere a identidade, o contexto envolvente. Interfere de forma grave no sistema de vistas da cidade e abre o precedente para, naquela avenida, começarem a brotar torres. Mas os problemas não ficam por aqui. Além da altura, há ainda a baixa permeabilidade dos solos devido à sua natureza argilosa e à construção de caves, que pode contribuir para um aumento do risco de inundação e da própria estabilidade dos edifícios, em situações de ocorrência de sismos.

Por tudo isto, de imediato, foi criado um movimento cívico contra a construção desta torre, que lançou uma petição, num importante acto de cidadania em defesa desta zona da cidade, que precisa de ser reabilitada, mas não a qualquer custo.

É possível fixar residentes, requalificar o quarteirão e a própria avenida, devolvê-los à população através de um projecto participado, que gere mais consensos. Para tal, é preciso ter uma visão integrada da Av. Almirante Reis e da cidade, e o envolvimento da população não se pode ficar pelo mero cumprimento de uma formalidade. De uma vez por todas, a opinião dos cidadãos deve ser tida em conta nas tomadas de decisão, porque cabe à Câmara Municipal de Lisboa viabilizar, ou não, este e outros projectos.

Os promotores garantem que as casas serão para a classe média, mas este argumento não convence. Com a forte pressão imobiliária que invadiu Lisboa, é muito difícil acreditar nisto, se bem que, ultimamente, o próprio conceito de classe média se tornou muito discutível.

Esta polémica trouxe de novo à discussão os créditos de construção, que são, pura e simplesmente, uma moeda de troca para os promotores, que se comprometem a criar contrapartidas, por exemplo, estacionamento para residentes, adopção de sistemas de iluminação pública mais eficientes, ou ainda recolha e armazenamento das águas pluviais em coberturas, para reutilização no espaço público em rega e lavagens, que, por princípio, já deviam fazer parte dos projectos originais. Mas são incluídas porque o município concede o direito de construir mais área.

Neste caso concreto, falamos de mais seis mil metros quadrados, mas, inicialmente, estavam previstos mais de 11 mil metros quadrados. Não é nenhum favor que nos fazem!

É verdade que alguns, poucos, querem este projecto, mas a maior parte da população não quer. E esta não é só uma questão urbanística, é também política e de gestão da cidade, que é de todos nós. Não é correcto, nem justo que nos queiram convencer que ou estamos com este projecto, ou estamos contra a cidade, porque há sempre outras alternativas e esta não pode ser umas delas.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.