Registando as palavras de deputados do PSD no comentário à polémica dos vencimentos do Conselho de Administração da TAP, “é mais um episódio opaco, errático e lesivo do interesse público”, o “Expresso” de 31DEZ20 atribui-lhes o “Prémio diz o Partido que ajudou a que  a companhia chegasse a este estado”. É também digno de registo este registo!

Quando um problema emerge e sobressalta a vida do país, particularmente quando vai custar milhares de milhões de euros ao Orçamento do Estado, quando exige uma comissão parlamentar de inquérito, impondo-se na agenda mediática, absorvendo o espaço noticioso e o comentário, o percurso, a trajectória, a história da causa ou causas, em geral não consta, dificilmente vê a luz do dia, ou só tem débeis afloramentos.

O que sistematicamente acontece é os media ditos de referência esquecerem a história, o percurso de decisões e medidas que conduziram uma empresa, um sector económico, um serviço público a um beco sem saída ou a necessitarem de uma resposta do Estado com custos elevadíssimos para o erário público. Decisões e medidas tomadas ao longo de décadas por sucessivos e diversos governos, de diferentes maiorias partidárias, integradas em políticas semelhantes. E assim, também com a regularidade de um relógio suíço, se produzem notícias e comentários que ocultam a generalizada co-responsabilidade de PS e PSD em muitos dos graves e grandes problemas que o país e os portugueses enfrentam.

É possível olhar hoje para os problemas que tocam a TAP e esquecer as decisões do desmembramento da empresa de transporte aéreo nacional, separando a infra-estrutura aeroportuária, os serviços de handling e o serviço de aviação? A liberalização de serviços e actividades? A privatização destes segmentos empresariais e a sua subordinação a lógicas do capital privado, liquidando articulações e sinergias? Os negócios desastrosos da compra da VEM à Varig no Brasil ou da Portugália ao BES? A tomada maioritária de capital pelo Estado, deixando os accionistas privados no comando e gestão da empresa?

É possível olhar hoje para os custos elevadíssimos do Novo Banco para o Estado, sem relembrar a liberalização e privatizações do sector financeiro levadas a cabo por PS e PSD, a privatização do BES e a reconstituição do Grupo Espírito Santo, apadrinhada por sucessivos governos, e o seu crescimento como um polvo tentacular sobre a economia e a sociedade portuguesas, que os fez “donos disto tudo”? A cumplicidade das entidades a quem em teoria cabia a supervisão e fiscalização – Banco de Portugal, CMVM, etc. – com os seus negócios e negociatas? Sem olhar para o processo de falência do BES e a sua transformação em Banco Mau e Novo Banco? Sem ter em conta a gestão ruinosa e a venda calamitosa do Novo Banco?

É possível discorrer sobre a carência de recursos profissionais no SNS, falar do flagelo dos incêndios florestais, ou do estado lamentável dos transportes ferroviários sem rever a política de direita comum de sucessivos governos PS, PSD? E etc., etc.…

Mas esta falta de memórias, estas amnésias, têm uma utilidade política imensa: são o elemento central que alimenta, suporta, conforta a “alternância” PS/PSD em todos os governos desde1976. Governos do Bloco Central, explicitamente assumidos no conteúdo e na forma por PS e PSD, teriam evidentes vantagens: não haveria passa-culpas pelas desgraças acontecidas…