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Hora legal

Em certos dias do ano, o desfasamento entre o meio-dia solar e o meio-dia legal chega a ser superior a duas horas. As implicações negativas de tal desfasamento repercutem-se por inúmeros aspetos da vida: consumo de eletricidade, exposição solar, higiene do sono, poluição, ritmo circadiano, entre muitos outros.
9 Março 2020, 07h15

Vem aí mais uma mudança de hora. Se fosse a geografia a mandar, estaríamos no fuso horário UTC-1 e não haveria mudanças de hora. Infelizmente não é a geografia que manda na hora legal.

Em certos dias do ano, o desfasamento entre o meio-dia solar e o meio-dia legal chega a ser superior a duas horas. As implicações negativas de tal desfasamento repercutem-se por inúmeros aspetos da vida: consumo de eletricidade, exposição solar, higiene do sono, poluição, ritmo circadiano, entre muitos outros.

Portugal, que já foi considerado campeão do desperdício energético, atualmente está ao nível de Angola e da Roménia no gasto de energia por $1000 de PIB, o que não são propriamente países conhecidos pela eficiência energética. É imperativo que se implementem políticas inteligentes para a poupança energética, e consequentemente para moderar a poluição atmosférica, sendo que a mudança da hora legal poderia ser uma aliada nessa tarefa.

Quanto à exposição solar, Portugal também se distingue pela negativa. Como se sabe, a exposição solar é fundamental para a síntese da hormona que ficou conhecida como Vitamina D. Um estudo que incluiu dados de quase 60 mil indivíduos de todas as idades e de diferentes países europeus conclui que 40% da população apresenta deficiência de Vitamina D (níveis 20ng/mL). Contudo, o estudo mais abrangente em Portugal, com mais de 3 mil indivíduos adultos de todo o país, demonstrou que mais de 60% da população apresenta níveis de vitamina D inferiores a esse nível. Esta conclusão é particularmente grave se levarmos em conta as consequências para a saúde e para os custos dos serviços de saúde de tal deficiência, e também particularmente surpreendente se levarmos em conta que vivemos numa das zonas com mais horas de sol por ano da Europa. A mudança da hora legal poderia ser uma das componentes numa política integrada para o aumento desses níveis.

Na higiene do sono o panorama não é melhor. Os especialistas afirmam que Portugal é um país cansado, onde se dorme pouco e mal, para além de se consumirem muitos ansiolíticos, hipnóticos e sedativos. Cerca de 1/3 da população já sofreu com insónias. Este panorama deixa muito a desejar pelas consequências negativas na longevidade, na qualidade de vida, no abstencionismo e nos acidentes de trabalho. Mais uma vez, a mudança da hora legal poderia ser uma aliada importante numa política integrada para a melhoria da higiene do sono.

É difícil relacionar este assunto ao ritmo circadiano para quem gosta de estatísticas. No entanto, talvez até por isso mesmo, podemos refletir quão básico é o ritmo circadiano na qualidade de vida. Provavelmente é o aspeto mais importante que é diretamente afetado pelo desfasamento entre a hora legal e a hora solar. O ritmo circadiano é o período sobre o qual se baseia a nossa biologia, sendo extremamente influenciado pelas variações de luz, temperatura, dia e noite. Este aspeto é, sem sombra de dúvida, essencial para uma definição adequada da hora legal, o que não acontece entre nós.

A propósito, já alguma vez parou para refletir porquê é que os hotéis têm os restaurantes cheios para jantar com turistas estrangeiros a partir das 18 horas, enquanto nós começamos a jantar depois das 20 horas? Ou porquê é que as conferências nos Estados Unidos começam às 7 horas da manhã e em Portugal raramente antes das 9 horas? Ou porquê é comum na maioria dos países desenvolvidos do Hemisfério Norte o horário de trabalho terminar às 17h para a maioria dos trabalhadores, e em Portugal depois das 18 horas? Ou porquê numa reunião que começa às 9 horas da manhã nos Estados Unidos não se toleram atrasos superiores a 10 minutos, enquanto em Portugal quase ninguém chega antes das 9:10?

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