Hostilidades foram cessadas mas não sanadas. Diálogo está de novo sob ameaça

Após o período de instabilidade entre 2013-14, Moçambique volta a passar por dias de incerteza. As eleições gerais de outubro último são o rastilho da discórdia que ameaça explodir nas mãos do recém-empossado presidente da República, Filipe Nyusi. O ambiente por estes dias em solo moçambicano é, no mínimo, tenso. O quarto presidente da República […]

Após o período de instabilidade entre 2013-14, Moçambique volta a passar por dias de incerteza. As eleições gerais de outubro último são o rastilho da discórdia que ameaça explodir nas mãos do recém-empossado presidente da República, Filipe Nyusi.

O ambiente por estes dias em solo moçambicano é, no mínimo, tenso. O quarto presidente da República acaba de tomar posse, mantendo o poder nas mãos do partido governamental, a Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique. Mas a Renamo – Resistência Nacional Moçambicana, principal partido na oposição e antiga guerrilha, não aceita o processo eleitoral, que diz ter sido fraudulento, e já anunciou a criação de uma república no centro e norte do país, o que o dividiria em dois. A instabilidade política continua assim a minar a nação africana.

Após a prolongada guerra fratricida Frelimo-Renamo, entre 1976 a 1992, que ceifou 1 milhão de vidas, em 2013-2014 Moçambique voltou a entrar em conflito, embora de forma circunscrita e não reconhecida oficialmente. Em vésperas das eleições de 15 de outubro do ano passado a situação pareceu serenar, tendo sido assinado, a 5 de setembro, um acordo de cessação das hostilidades, colocando um fim à violência dos últimos anos. E no âmbito do qual foram fixadas bases para a desmilitarização e efetivação do braço militar da Renamo nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e na polícia. No entanto o processo negocial que deveria avançar para a integração e desarmamento da Renamo tem estado num impasse.

Já no início deste mês a antiga guerrilha acusou o Governo de violar o acordo de setembro, ao deslocar forças militares no centro do país e abrir novas posições em regiões onde a Renamo tem os seus homens para desmilitarização. A Renamo disse que estão a ser movimentados e concentrados vários efetivos em Gorongosa, Chibabava e Maringuè. Foi nestas zonas, tradicionais bastiões militares e políticos do movimento, que decorreu por 17 meses o recém-terminado conflito militar entre as forças governamentais e os homens da Renamo.

O Executivo reagiu às acusações pela voz do chefe adjunto da delegação governamental no diálogo com a Renamo, Gabriel Muthisse. O também ministro dos Transportes considerou que o acordo não impede movimentações da polícia e das Forças Armadas, adiantando que “seria grave se dissessem que os efetivos invadiram uma base da Renamo ou impediram” os seus “homens de realizar as suas atividades. Parece-me que Moçambique não perdeu ainda a soberania”.

Eleições apertam ainda mais
Em outubro a Frelimo (no poder desde a independência de Portugal, em 1975) elegeu 144 deputados para a Assembleia da República, que tem 250 assentos. O principal partido da oposição ficou em segundo lugar, com 89 deputados, seguido pelo MDM – Movimento Democrático de Moçambique, que também denunciou irregularidades no escrutínio, e que fica com 17 deputados.

O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, rejeita os resultados, alegando fraude eleitoral, e ameaça promover a desobediência civil com manifestações, sem recurso à guerra, caso a Frelimo rejeite a sua exigência de formação de um governo de gestão como solução. Por seu turno, o partido no poder reitera que não “tolera ameaças” à paz.

No início deste mês Dhlakama anunciou que os seus deputados eleitos para o parlamento não iriam tomar posse, em mais uma ação de contestação às eleições gerais. Boicote que, na semana passada, levou os membros eleitos pela antiga guerrilha para as dez assembleias provinciais do país a faltar às cerimónias de posse. Resultado: por falta de quórum não se fez a eleição dos presidentes e das comissões provinciais da Zambézia, Sofala e Tete, onde a Renamo tem a maioria. O movimento também esteve ausente na posse da Assembleia da República na segunda-feira, dia 12.
Não é a primeira vez que a Renamo faz finca-pé nestas questões. Em 2009, a seguir às eleições gerais, Afonso Dhlakama veio a público fazer idêntico anúncio. Só que alguns dias depois tomaram posse 16 deputados, alegadamente contra a vontade do líder, e os restantes 51 acabaram por lhes seguir as pisadas…
Desta feita, quem não tomar posse tem um prazo de 30 dias para tal, caso contrário, perde os assentos no parlamento. E a Renamo perde apoios do Estado.

Esta semana Afonso Dhlakama declarou, num comício, que no dia da investidura de Filipe Nyusi (ontem) estaria em Quelimane, Zambézia, província do centro do país atingida pelas cheias (que desalojaram à volta de 70 mil pessoas e mataram 25). Para o líder da Renamo seria “incoerente” assistir à cerimónia. Tal como considera que a ausência de vários líderes africanos e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa na posse se justifica com a “vergonha e ressentimento” após as alegadas fraudes eleitorais. Apesar de considerar a investidura  do candidato da Frelimo ilegal, Dhlakama espera que o novo presidente possa “resolver pendências” deixadas pelo chefe de Estado cessante, Armando Guebuza, principalmente no que diz respeito ao acordo de cessação de hostilidades e a integração da sua guarda residual na polícia e nas FADM.

A nova Angola?
Aníbal Cavaco Silva foi o único chefe de Estado não africano presente ontem na cerimónia de posse de Filipe Nyusi. O presidente de Portugal deslocou-se a Moçambique acompanhado pelo vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, o que demonstra a importância que Belém dá às relações com Maputo.

A estadia de três dias do presidente português em Moçambique (que termina hoje) é mais uma etapa na rápida (re)aproximação entre os dois países nos últimos anos. Cavaco Silva, que visitou Maputo pela segunda vez em pouco mais de dois anos, com uma agenda vincadamente económica, declarou que se trata de “uma prioridade da nossa política externa, as relações políticas são excelentes e conhecem um dinamismo bastante forte”.

A nação africana tem despertado um interesse cada vez maior na internacionalização de empresas lusas, não só pela recessão atravessada por Portugal como também devido à estagnação de um dos grandes mercados-destino dos negócios portugueses – Angola (o que faz com que, por exemplo, as obras moçambicanas tenham um peso crescente na faturação das construtoras). De acordo com dados oficiais, são 2700 as empresas portuguesas a operar no mercado moçambicano, muitas delas PME – as que criam mais emprego local.

Moçambique – apesar da tensão política nos últimos dois anos, de um Estado minado pela corrupção, e das carências significativas em infraestruturas e na mão de obra qualificada – tem registado taxas consistentes de crescimento económico, acima dos 7%, além de que há perspetivas de receitas milionárias na exploração de gás natural.

As exportações portuguesas para o mercado moçambicano em 2013 registaram um aumento de 13%. No terceiro trimestre de 2014 Portugal era o segundo maior investidor externo, com 292,5 milhões de euros, a seguir à África do Sul, e também um dos principais doadores de Moçambique, devendo assumir em junho o grupo de países financiadores (G19) do Orçamento do Estado do Governo de Maputo.

Em março de 2014 decorreu em Maputo uma cimeira luso-moçambicana, que contou com a presença do primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, acompanhado por uma ampla comitiva governamental, e onde foram assinados 19 acordos bilaterais e destinados 134 milhões de euros para investimentos em Moçambique.

No início de julho do ano passado foi a vez de Paulo Portas se deslocar ao país. O n.º 2 do Executivo de Passos Coelho declarou na altura que Moçambique é “cada vez mais decisivo nas relações económicas de Portugal”, adiantando que “nós, portugueses, queremos ser parte desse desenvolvimento, podemos auxiliar e estabelecer parcerias muito relevantes em muitos domínios”.

Esta aproximação económica e política entre as duas nações levou a um acréscimo na comunidade portuguesa em território moçambicano, embora o número de inscrições consulares em Maputo (incluindo assentos de nascimento) tenha recuado para 1895 até novembro do ano passado, por comparação com 2350 no período homólogo em 2013. A meio de 2014 já se tinha verificado uma tendência de redução, interpretada como sendo um efeito da instabilidade no país, agravada pela crise dos raptos (que atingiu também a comunidade lusa). Os dados do Consulado Geral de Portugal em Maputo apontam assim para uma estabilização do número de portugueses, que deverá rondar os 23 mil.

Geração não combatente
Filipe Nyusi, o quarto chefe de Estado moçambicano após a independência – sucedendo a Armando Guebuza, que se seguiu a Joaquim Chissano e Samora Machel, todos da Frelimo –, é o primeiro no cargo que não participou na luta de libertação de forma direta. O novo inquilino do Palácio da Ponta Vermelha, de 55 anos, representa assim a entrada
no poder de uma geração que não combateu na guerra da colonial.

Filho de camponeses e antigos combatentes, Filipe Nyusi é formado em Gestão e tem um mestrado em Engenharia Mecânica. O seu trajeto profissional começou de forma humilde, como operário dos Caminhos de Ferro de Moçambique, onde fez carreira e ascendeu a administrador executivo da empresa pública. O percurso político foi feito longe dos grandes holofotes, sem ter ocupado posições de destaque no partido governamental, a Frelimo, até que chega a ministro da Defesa, cargo que exerce entre 2008 e 2014.

Na cerimónia de posse, o candidato da Frelimo declarou que “o povo é o meu patrão. O meu compromisso
é servir o povo moçambicano como meu único e exclusivo patrão”.

E sublinhou que em Moçambique vigora um regime presidencialista, referindo que o Governo “que irei criar será prático e pragmático, para resolver problemas e combater o despesismo”, de acordo com o jornal A Verdade. Aludiu ainda aos problemas que assolam o país, como as cheias, que destruíram estradas e redes de abastecimento elétrico. “Não descansarei enquanto Moçambique não tiver vias de acesso transitáveis em todas as épocas do ano”. Com as províncias de Cabo Delgado, Nampula, Niassa e Zambézia às escuras, o novo presidente afirmou que quer “que os moçambicanos vivam num país cada vez mais iluminado”.

Desenvolvimento social é o grande desafio
Moçambique permanece entre os piores do globo em termos de indicadores sociais. Designado pelo Banco Mundial (BM) como um país de baixo rendimento, figura entre os mais pobres do mundo. O produto interno bruto (PIB) de 15,7 mil milhões de dólares (cerca de 13,6 mil milhões de euros) em 2013 terá registado uma expansão acima de 7% no exercício transato, mas com relativa baixa inflação, que não terá atingido 3%.

O BM, numa análise à situação política, económica e social do país durante 2014, destaca “o crescimento robusto”
da economia, mas mostra-se preocupado com a “desaceleração da redução da pobreza” – mais de metade da população vive em situação de pobreza extrema –, apontando o desenvolvimento social como o grande desafio do país. A diversificação económica está aquém do desejado, com a agricultura, marcadamente de subsistência, a empregar mais
de 80% dos moçambicanos.

Armanda Alexandre

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