Arrancou este fim-de-semana o programa da Capital Verde 2020 em Lisboa. Para quem passa diariamente na Praça de Espanha no percurso casa-trabalho-casa, suponho que a data signifique sobretudo uma demora (ainda) maior na viagem, com os condicionamentos ao trânsito. Mas há mais nesta capital verde além do novo jardim urbano.

Como bem nos relembra Ricardo Sant’Ana Moreira, a escolha da capital portuguesa para esta distinção em 2020 – a primeira cidade do Sul da Europa a recebê-la – prende-se muito com a evolução da abordagem lisboeta ao clima e à sustentabilidade: a mobilidade suave tornou-se uma realidade, com vários sistemas partilhados de mobilidade eléctrica; aumentaram os espaços verdes (e falo de espaços verdes a sério, como os jardins do Campo Grande ou da Cerca da Graça, não os separadores com relva das Avenidas da República ou 24 de Julho); diminuíram emissões e consumos de água. Mas, olhando o cenário macro, será que Lisboa é assim tão verde?

Um dos grandes problemas de emissões poluentes em Lisboa (e Portugal) é o uso do carro. Além de termos um parque automóvel antigo e desactualizado, é por demais frequente vermos estes monstros poluidores com uma só pessoa a ocupá-los. Sendo uma cidade relativamente pequena (à escala das capitais europeias) e, por conseguinte, com uma população dentro dos limites do razoável, parece-me que seria simples evitar o fluxo diário de carros que entram na área urbana lisboeta: uma rede de transportes abrangente, com composições frequentes e um custo acessível. Esta última parte já foi conseguida; faltam as outras duas, bem mais dispendiosas e demoradas.

Eu bem sei que o português é comodista, resistente à mudança e, acima de tudo, ter um carro é prova de que se está bem na vida. Mas acho que um bom sistema de transportes seria um incentivo à transição para um modo de vida mais condizente com o século em que vivemos.

É incompreensível que se ande há anos a falar de extensões do metro e zonas como as Amoreiras, Belém, Benfica ou Estrela continuem sem uma estação, isto ao mesmo tempo que se desactivam eléctricos (pelo contrário, estes deveriam ser incentivados e, nalgumas zonas, colocados em vias exclusivas, de forma a evitar o trânsito). Ao menos, senhores da Câmara, quando desactivam carreiras de eléctrico, pavimentem a rua de forma a ficar sem carris – o pessoal que anda em duas rodas agradece.

Outra boa forma de diminuir o fluxo de carros é criando condições para o uso da bicicleta. Isto torna-se especialmente relevante no caso lisboeta, que será a Capital da Bicicleta 2021.

Sim, é verdade que há muito mais ciclovias e o plano passa por não parar aqui; mas há directrizes a seguir na construção destas vias, muitas das quais ignoradas pelos brilhantes engenheiros responsáveis por estas empreitadas, o que resulta em ciclovias perigosas e nada funcionais (como a da Av. Da República, uma das principais artérias lisboetas, onde passam diariamente milhares de portugueses e cuja ciclovia não permite ultrapassagens, por ter pouco mais de 1 metro de largura em cada sentido; ou a da Fontes Pereira de Melo, com uma largura igual e ainda o bónus de ser constantemente atravessada pela estrada, onde os carros que viram, brilhantemente, têm prioridade sobre as bicicletas que seguem em frente).

Além das más infraestruturas, há também uma falta de divulgação das regras da estrada, que coloca em perigo ciclistas, peões e até condutores – seria tão fácil arranjar cartazes publicitários, spots de televisão e iniciar campanhas escolares para educar a população a respeitar o código da estrada e os vários intervenientes nesta. Em vez disso, continuamos com malta a correr na ciclovia (e a achar-se no direito disso), ciclistas a pedalar no passeio e trotinetas paradas no meio das vias para bicicletas. Viva o civismo!

Um outro aspecto curioso de Portugal (e, por arrasto, da Capital Verde 2020) é a impunidade e a falta de aplicação das leis. Por exemplo, foram criadas, por imposição da Comissão Europeia, restrições ao trânsito de veículos com matrículas anteriores a um dado ano, dando origem às chamadas Zonas de Emissões Reduzidas (ZER) em Lisboa. Uma ideia louvável e de progresso. Pois bem, em 2018, o jornal “O Corvo” noticiava que, nos dois anos anteriores, ninguém havia sido multado. E aposto com qualquer leitor que bastam cinco minutos no Martim Moniz ou na Av. da Liberdade para encontrar um veículo multável.

Mas, em Portugal, nem os benefícios são para ser levados a sério: o programa “Casa Eficiente 2020”, que pretendia melhorar a eficiência energética das habitações portuguesas através de linhas de crédito para pequenas remodelações, teve um impacto quase nulo, já que, sendo 50% destes fundos disponibilizados por bancos privados, os senhores da CGD, Novo Banco e Millennium decidiram aplicar uns juros generosos. Enquanto esperamos que as fórmulas institucionais (sejam elas leis ou programas de incentivo) comecem a funcionar na vida real, podemos descansar ao saber que o centro de Lisboa tem um ar sistematicamente poluído ou que quase 20% dos portugueses não consegue aquecer a casa. Está tudo bem, portanto.

Estas situações demonstram o caminho que ainda falta percorrer para Lisboa ser verdadeiramente verde. Pode ser que esta distinção coloque pressão sobre a cidade e, sobretudo, sobre os actores políticos para que tomem decisões compatíveis com um modo de vida sustentável e de baixo impacto ambiental – podiam começar por repensar o desastre que será o aeroporto do Montijo. Qualquer problema com os franceses da Vinci, digam que queimaram o contrato – é que faz frio no Palácio de S. Bento e a electricidade está cara.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.