A história de Roma ensina-nos a ver Júlio César como um dos maiores homens da Antiguidade, mas isso é um erro.

O morto nos Idos de Março tinha génio e uma ambição desmedida, contudo, o verdadeiro artífice da “Pax Romana”, do seu poderio e império, foi Augusto, um imperador racional, equilibrado, que acalmou uma metrópole constantemente em guerras intestinas. Acompanhado da sua mulher, Lívia, uma das mais fascinantes mulheres da época, apaixonada pelo poder e a maior especialista em venenos que usou destemperadamente até ungir o filho de um anterior casamento, Tibério, a herdeiro, governaram Roma durante décadas.

O Augusto dos tempos modernos, Santos Silva, não é tão marcante, até porque ainda não tem nenhum poder executivo – embora, claramente, o ambicione. É um homem culto, mas o tempo mostrou que sabe ser caceteiro, como quando esteve ao lado de José Sócrates – que parece que vai ter os seus processos prescritos. Um dia, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, deu uma entrevista onde afirmava que gostaria de voltar à Academia. Uma hipocrisia, porque já aí sabia que o seu verdadeiro desejo era Belém.

Nas imagens captadas pela CNN, após a cerimónia que antecedeu a oficial com Lula no Parlamento, diz que o protesto exaltado que fez contra o Chega era o “de um homem gelado”. Fica assim aqui alcunhado nestas linhas como a Grace Kelly da política portuguesa, e explico porquê. Alfred Hitchcock um dia caracterizou a sua musa de “Janela Indiscreta”, “Chamada para a Morte” e “Ladrão de casaca” como “um vulcão coberto de gelo”. Ora, isso não é bem assim.

A reacção de Augusto Santos Silva, contra um protesto feio e que não prestigia a Assembleia da República do partido Chega, foi claramente calculada, porque o mesmo decidiu vestir a pele de paladino de valores democráticos contra André Ventura julgando que é esse o pavimento certo para a sua caminhada presidencial. Só há um problema: é que os portugueses gostem dele, lhe atribuam essa importância e confiem nele, algo que ainda está para aquilatar.

Depois, tivemos o segundo momento de cálculo e frieza política quando, na cerimónia oficial, entendeu disparar duros recados contra Marcelo Rebelo de Sousa – com a diferença de que o Presidente da República chega às pessoas – vestindo a pele de deputado do PS (o que é na realidade) e sendo o escudo protector de um Governo encostado às cordas, com o pouco subtil texto do “tempo da política face ao império do instante”. Esse não deve ser o papel do presidente da Assembleia da República, alguém que lhe recorde isso.

A cerimónia do 25 de Abril ficou marcada pela visita de Lula. E o que vimos de diversos protagonistas, bem como de duas manifestações na rua, foi um microcosmos do que é o Brasil da actualidade, claramente polarizado e extremado sem uma terceira via de moderação e racionalidade. Algo que, felizmente, em Portugal ainda subsiste e espero que continue. Mas a estrela do 25 de Abril nunca poderá ser Augusto, Lula ou outra figura. Deve ser apenas o próprio 25 de Abril, os seus capitães, os cravos, a liberdade, aquela que respiramos e não queremos deixar de respirar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.