O ano de 2022 foi de instabilidade nos mercados financeiros. E não foram apenas as ações que sofreram quedas acentuadas. Perante a subida das taxas de juro, as obrigações foram outro dos ativos penalizados. Um desempenho que acabou por ter impacto na rentabilidade dos Planos Poupança Reforma (PPR), tanto sob a forma de fundos, registando um retorno negativo, como de seguros. Apesar disso, garantem os especialistas, este produto continua a ser atrativo para os portugueses que querem poupar para a reforma.
“Os fundos [PPR] investem em ações e em obrigações. Foi um ano bastante atípico porque a maior parte dos mercados de ações caiu, consequência da guerra, da subida dos preços. Mas o mercado de obrigações [no qual investem os seguros PPR] também caiu porque as taxas começaram a subir e as obrigações foram muito afetadas. Normalmente, isso não acontece. Quando um valoriza, o outro valoriza”, afirma António Ribeiro, especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste, ao Jornal Económico (JE).
Foi um ano difícil para as bolsas mundiais. A guerra na Ucrânia veio intensificar a inflação, o que obrigou os bancos centrais a agir para tentar controlar os preços. E isso aconteceu tanto nos EUA como na Europa. A política monetária de taxas baixas ou mesmo negativas deu lugar a uma escalada dos juros, abrindo a porta aos receios de uma recessão económica. Esta incerteza acabou por atirar os mercados acionistas para perdas de dois dígitos.
Enquanto o Stoxx 600, o índice que agrega as 600 maiores cotadas europeias, perdeu mais de 12%, o norte-americano S&P 500 aproximou-se de uma queda de quase 20%. Isto traduziu-se no pior ano desde 2008 para o índice de referência dos EUA, depois de três anos de ganhos, sucumbindo à normalização da política monetária pela Reserva Federal dos EUA, que subiu as taxas de juro por sete vezes no ano passado.
Retorno foi negativo nos fundos PPR
Este impacto ficou à vista no desempenho dos fundos PPR. Os dados sobre as cinco melhores rentabilidades, em dezembro de 2022, disponibilizados pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP) ao JE, mostram um retorno negativo generalizado. Em primeiro lugar surge o Caixa PPR Rendimento Mais, gerido pela CGD Pensões. Na categoria de risco 2, apresentou uma rentabilidade anualizada negativa de 3%, seguido pelo Bankinter Rendimento PPR/OICVM – Classe B com -3,3%. Já o BBVA Estratégia Capital PPR surge em último neste ranking, com um retorno negativo de 4,2%.
Este desempenho contrasta de forma significativa com aquele que se registou em 2021. Nesse ano, a melhor rentabilidade foi registada pelo BPI Reforma Global Equities PPR/OICVM, na categoria de risco 5, fixando-se nos 28,9%. No caso do Optimize Capital Reforma PPR/OICVM Agressivo, da Optimize Investment Partners, foi de 18,3%, enquanto em quinto lugar ficou o PPR Premium Dinâmico Ações, gerido pela Futuro, empresa do Grupo Montepio, com um retorno de 13,6%.
“Todos os fundos PPR perderam este ano. Sem exceção. Em 2022, os fundos PPR perderam, em média, 11,3%. Houve algumas perdas que chegaram aos 25%”, afirma António Ribeiro, da Deco Proteste, notando que “mesmo aqueles fundos mais defensivos, que têm pouco em ações, perderam bastante por causa das obrigações”.
As descidas registadas no mercado obrigacionista tiveram um outro impacto:uma possível quebra na rentabilidade dos seguros PPR, a principal opção dos clientes em Portugal. “O que vai acontecer provavelmente é que o rendimento deve ser muito baixo porque os seguros PPR investem sobretudo em obrigações. E as obrigações também foram afetadas. O rendimento deverá andar na esmagadora maioria entre 0% e 1%”, estima o especialista em assuntos financeiros, sendo que, em termos reais, será negativo tendo em conta a inflação registada. Ainda assim, é preciso aguardar pela divulgação dos dados para 2022, que, ao contrário dos fundos, só deverão ser conhecidos na primavera.
Isto, refere, deve representar um desempenho “mais baixo do que 2021 porque nesse ano não tínhamos este cenário tão negativo no mercado de obrigações. O mercado mesmo para os seguros piorou bastante porque investem sobretudo em obrigações e as obrigaçóes foram muito penalizadas ao longo de 2022 por causa da subida das taxas de juro. Portanto, é natural que o rendimento dos seguros PPR, que já era baixo em 2021, seja ainda mais baixo em 2022”.
De acordo com o economista, “os PPR sob a forma de seguros, garantem, na maior parte dos casos, o capital. A pessoa tem a certeza que pode não ter rendimento, mas pelo menos tem o capital garantido”. Uma vez que os “portugueses são muito conservadores” esta acaba por ser a primeira escolha. Em Portugal, cerca de 80% do mercado dos PPR em Portugal é sob a forma de seguro, com capital garantido.
PPR continuam a ser boa opção para poupar
Apesar da quebra registada na rentabilidade dos PPR, no ano passado, continuam a ser um produto de poupança interessante para quem quer preparar-se para a reforma, numa altura em que os mercados estão a dar sinais de recuperação no início deste ano.
“É um produto atrativo”, defende António Ribeiro, realçando que “como se trata de uma poupança de longo prazo não podemos só justificar tudo com os anos negativos, porque provavelmente nos noutros anos ganhasse bastante e compensa estas perdas”.
O especialista da Deco Proteste também considera que pode compensar mais ter o dinheiro em fundos em vez de seguros. “Mas isto depende da idade da pessoa. Se tiver 20, 30 ou 40 anos é preferível sempre optar por um PPR sob a forma de fundo porque mesmo que haja um ou outro ano de perda ainda tem muito tempo até à reforma. Se já estiver perto da reforma, se chegou aos 60 anos, aí convém transferir e aplicar num seguro PPR porque já está a aproximar-se da reforma e mais vale acautelar aquilo que já acumulou para não correr riscos naquela etapa final”, remata.
É, no entanto, necessário promover uma cultura de poupança a pensar no futuro em Portugal. De acordo com um inquérito realizado pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), em parceria com a Universidade do Minho, sobre poupança de longo prazo para a reforma, apenas 43% dos inquiridos disseram poupar para essa altura da sua vida. Os que não poupam apontam como motivo principal o facto de estarem a colocar dinheiro de parte para outros fins de curto e médio prazo, enquanto outros consideram ser cedo para poupar para a reforma.
Ao JE, José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa De Seguradores (APS), afirmou ser necessário apostar em incentivos fiscais no momento da subscrição dos PPR, deixando críticas à medida do Governo que permite que, ao longo deste ano, seja possível resgatar estes planos sem penalização. Já Steven Braekeveldt, CEO do Grupo Ageas Portugal, disse, em entrevista, que isto “é um desastre”, pois o Executivo, “em vez de educar as pessoas a poupar para a reforma, está a dizer para usarem o dinheiro que seria para a reforma para solucionar um problema agora”.