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“Incompetente e negligente”: economista canadiano declarado inocente vai processar o Estado português

Peter Boone, economista doutorado em Harvard, foi acusado de manipulação de mercado que permitiu ganhos de 819 mil euros com a venda de dívida portuguesa após ter escrito artigos sobre o país nos cruciais meses antes do resgate de 2011. Foi declarado inocente na semana passada e vai processar o Estado.
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17 Julho 2017, 00h01

“Este processo nunca deveria ter existido. Foi uma caça às bruxas iniciada por uma declaração pública do antigo ministro das Finanças, Professor Fernando Teixeira dos Santos, que se sentiu ofendido por eu ter questionado algumas das más decisões económicas que ele e os seus pares estavam a prosseguir”, refere Peter Boone, sobre a acusação pelo crime de manipulação de mercado.

Em comunicado, Boone informa que a 12 de julho de 2017, transitou em julgado a Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a inocência, revogando definitivamente a acusação de manipulação de mercado que tinha sido proferida pelo Ministério Público, “pondo termo a um pesadelo de sete anos”.

“Como resultado desta decisão, o Dr. Boone prepara-se agora para processar o Estado Português por investigação grosseiramente incompetente e negligente conduzida pela CMVM e pelo Ministério Público”, sublinha, adiantando que considerará ainda a possibilidade de instaurar ações contra os autores de dois relatórios da CMVM que omitiram informação que provava a inocência e integridade do economista, “ao mesmo tempo que fabricavam falsas acusações de conspirações, que vieram a ser refletidas na acusação criminal”.

Boone e Simon Johnson, professor do Massachusetts Institute of Technology e ex-economista chefe do FMI, publicaram, em abril de 2010, artigos nos quais previam que Portugal pediria um resgate financeiro. Um dos artigos, publicados num blogue do New York Times, até tem o título ‘O grande problema global: Portugal’. Neste, alertavam sobre os sérios riscos que economia enfrentava, o contágio da crise grega e sublinhavam que os políticos portugueses não estavam a agir para recuperar a confiança dos mercados.

Teixeira dos Santos classificou o artigo de “disparates sem fundamentação sólida”, enquanto Aníbal Cavaco Silva, na altura Presidente da República, criticou especialmente a comparação com a Grécia.

Nesse mesmo mês, a CMVM iniciou a uma investigação ao artigo. Passado um ano, o primeiro relatório concluiu que o artigo foi “exagerado e parcial, ao considerar que Portugal seria o próximo a necessitar de assistência”.

Mais importante, o relatório dizia que Boone conspirou com clientes da Salute Capital (uma casa de investimento norte-americana da qual era diretor) para escrever um artigo que manipulasse a dívida pública, pretendendo beneficiar da sua exposição potencial à dívida pública portuguesa.

Após inquirições a Boone, a Teixeira dos Santos, aos autores do relatório da CMVM e a uma pessoa ligada à gestão da dívida portuguesa, o Ministério Público acusou Boone pelo crime de manipulação de mercado, a 16 de outubro de 2015. Na base da acusação estava a informação de que a Moore Capital Management, cliente da Salute Capital, teria obtido ganhos de 819 mil euros em posições curtas na dívida portuguesa.

Em outubro de 2016, o Tribunal de Instrução proferiu um despacho de não pronúncia, retirando as acusações contra Boone. O Ministério Público recorreu da decisão, mas a 12 de junho deste ano o Tribunal da Relação confirmou a decisão da primeira instância.

“É uma tragédia para Portugal que reguladores e procuradores do Ministério Público considerem apropriado usar as instituições do Estado para fabricar casos contra os críticos, em vez de focarem os seus esforços em prevenir o custo das crises financeiras que emergem sob os seus olhos”, vinca Boone, no comunicado.

“Numa sociedade livre, a crítica robusta e o debate não devem ser confundidas com crime. Ao mesmo tempo que estou aliviado que os tribunais tenham sido capazes de vislumbrar para além de toda esta fachada, estou também profundamente desapontado que tenha durado tanto tempo”, conclui.

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