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Indústria mundial de cruzeiros luta para fugir ao naufrágio

O alerta da Norwegian Cruises para a possibilidade de ter fechar as portas veio chamar a atenção para as dificuldades financeiras de uma indústria estagnada desde meados de março e que tem um impacto de cerca de 138 mil milhões de euros anuais na economia mundial.
7 Maio 2020, 07h55

O aviso lançado ontem, dia 6 de maio, aos investidores pela administração da Norwegian Cruises, o terceiro maior operador mundial de cruzeiros, a alertar para a possibilidade de ter de encerrar as portas em resultado do impacto do coronavírus, é mais um sinal preocupante sobre a grave situação financeira em que o setor se encontra a nível global.

O alerta da Norwegian Cruises foi feito aos investidores através de um comunicado enviado à SEC – Securities and Exchange Commission, o órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos, mas não significa, pelo menos para já, que a empresa declare falência.

O grupo recebeu há pouco uma injeção de capital fresco de cerca de 368 milhões de euros de uma ‘private equity’, a L. Catterton.

Esta operação insere-se num plano mais amplo da Norwegian Cruises de levantar um total de financiamento suplementar de cerca de 2.760 milhões de euros a curto prazo para fazer face ao impacto da pandemia, que inclui mais cerca de 370 milhões com a venda de ações da empresa e mais cerca de 1,3 mil milhões de euros com emissões de empréstimos de obrigações e 0utros títulos mobiliários.

Se conseguir estes intentos, a Norwegian irá evitar o encerramento, salvaguardando cerca de 36 mil postos de trabalho, dos quais 32 mil funcionários normalmente a bordo dos seus 28 navios, com capacidade para cerca de seis mil passageiros.

Apesar do nome nórdico, a Norwegian tem sede em Miami, a capital mundial dos cruzeiros. A empresa opera com as marcas Norwegian, Ocean Cruises e Regent Seven Seas Cruises.

Tal como todas as empresas do setor de cruzeiros a nível global, a Norwegian tem os navios parados desde meados de março, neste caso, desde o dia 14 de março.

Neste momento, a paralisação da indústria mundial de cruzeiros está prevista, pelo menos, até 30 de junho, dependendo da evolução do vírus nos diversos pontos do globo.

Perdas de 5,8 mil milhões de euros desde meados de março
Uma paragem com custos astronómicos. Segundo um estudo do ‘site’ norte-americano especializado ‘Cruise Industry News’, a que o Jornal Económico teve acesso, a Norwegian Cruises está a perder neste momento qualquer coisa como cerca de 138 milhões de euros por mês.

Contabilizando as perdas desde meados de março até ao final de junho, as perdas da Norwegian neste período de paragem devido à pandemia deverá ultrapassar os 480 milhões de euros. Um valor que poderá atingir maiores proporções se a paragem da indústria se prolongar para lá de junho.

O rombo financeiro não é exclusivo da Norwegian. A Carnival Corporation, o líder do setor, também de origem norte-americana, gere as marcas Carnival Cruise Line, Princess Cruises, Costa Cruises, AIDA Cruises, Holland America Line, P&O Cruises, P&O Cruises Australia, Cunard Line e Seabourn Cruise Line.

A Carnival está a registar perdas mensais de cerca de 920 milhões de euros. Cerca de 3,2 mil milhões de perdas acumuladas entre o período de meados de março a final de junho.

Assim, as dificuldades financeiras também afligem a Carnival, mas o líder do setor recebeu recentemente, a 6 de abril, uma injeção providencial de capital do fundo soberano da Arábia Saudita, que adquriu na bolsa de Nova Iorque um parcela de 8% do respetivo capital social.

O segundo maior operador da indústria mundial de cruzeiros é a Royal Caribbean, igualmente com sede em Miami. De acordo com as referidas estimativas do ‘Cruise Industry News’, o grupo está a contabilizar perdas mensais de cerca de 368 milhões de euros, o equivalente a quase 1.300 milhões de euros no período entre o início da paragem, a meados de março, e o final de junho.

O quarto maior grupo do setor, é a MSC Cruises, de origem europeia e sede na Suíça. Regista perdas mensais de cerca de 166 milhões de euros, cerca de 580 milhões de euros para o período compreendido entre meados de março e o final de junho.

O ‘Cruise Industry News’ avança também com estimativas de perdas mensais de cerca de 38,6 milhões de euros para a Genting Cruise Lines, uma empresa com sede em Hong Kong, o que perfaz cerca de 135 milhões para os três meses e meio previstos de paragem forçada; e de cerca de 24 milhões de euros para a Disney Cruise Line, um total de 84 milhões de euros para o período em análise, de meados de março a final de junho.

Só com estes seis grupos da indústria mundial de cruzeiros as perdas registadas em cada mês deverão ascender a cerca de 1.800 milhões de euros, quase 5.800 milhões de euros para o período entre meados de março e final de junho.

Indústria tem impacto na economia mundial de 138 mil milhões de euros ao ano
A crise provocada pela pandemia da Covid-19 na indústria mundial de cruzeiros vem interromper um ciclo de mais de dez anos em crescimento consecutivo.

O setor de cruzeiros a nível mundial deverá ter ultrapassado a fasquia dos 32 milhões de passageiros no ano passado, quando em 2009 esse número era de 17,8 milhões de passageiros, de acordo com dados avançados pela CLIA – Cruise Lines International Association, a que o Jornal Económico teve acesso.

A CLIA reclama representar cerca de 90% do total do setor da indústria mundial de cruzeiros, com mais de 270 navios em fucionamento entre os seus membros, dos quais 18 deverão ter entrado ao serviço no ano passado.

Segundo dados da CLIA referentes ao exercício de 2018, o último de que existem elementos completos divulgados, o setor tem um impacto total na economia global na ordem dos 138 mil milhões de euros por ano, fomentando setores de atividade tão diversos como a agricultura, comércio, indústria, turismo, transportes e alojamento, entre outros.

A origem dos passageiros é dominada pelos cidadãos da América do Norte (14,2 milhões de passageiros por ano), Europa (6,7 milhões) e Ásia (4,2 milhões).

As regiões onde se efetuam mais viagens de navios de cruzeiro são as Caraíbas (32%), Mediterrâneo (17%), entre a Europa Ocidental e o Mediterrâneo (11%), China e Ásia (10%) e Alaska (5%).

Estamos a falar de um setor que, no plano global gera cerca de 1,2 milhões de empregos diretos, movimentando salários anuais e outras retribuições profissionais no valor de 46 milhões de euros (dados da CLIA referentes a 2018).

O setor tem investido forte em navios de última geração, com maior eficiência energética, ao nível das tecnologias e dos combustíveis utilizados, como o GNL – Gás Natural Liquefeito, mas também no tratamento e reciclagem das águas utilizadas a bordo, na eliminação progressiva da utilização dos plásticos e na opção pela alimentação energética dos navios com fontes em terra quando estão atracados.

A CLIA estima que no ano passsado, os seus associados tenham investido mais de 20 mil milhões de euros na aquisição de novos navios de cruzeiro.

A CLIA representa 55 companhias de cruzeiros a nível mundial, com um frota superior a 270 navios, e conta com cerca de 400 parceiros executivos de diversos setores associados, mais de 15 mil agências de viagens e cerca de 53 mil profissionais agentes de viagens.

Reservas para 2021 estão a subir
Mas nem tudo são más notícias para o setor dos cruzeiros. Se as empresas conseguirem superar este embate financeiro, estamos perante uma das indústrias  turísticas mais bem preparadas em termos sanitários para fazer face aos perigos da pandemia. Há mais de dez anos, por exemplo, que a grande maioria das empresas de cruzeiros já recorria ao uso de gel desinfetante, gratuitamente distribuído aos seus passageiros a bordo dos seus navios.

Os controlos de entrada e saída dos navios são dos mais apertados que existem, equivalentes ou até superiores aos utilizados na aviação civil em termos de segurança.

E os passageiros de cruzeiros têm uma elevada taxa de repetição da experiência: cerca de 82% dos cruzeiristas pretendem repetir a experiência.

E, apesar da atual paragem e das incertezas que permanecem sobre a data e os contornos da reabertura da atividade deste setor, o nível de reservas para 2021 parece estar dinâmico e em alta.

Um analista do banco de investimento UBS citado pela cadeia televisiva norte-americana CNN garantiu há cerca de uma semana que as reservas para viagens de cruzeiros nos Estados Unidos estavam já a registar uma subida de 9% no período dos últimos 30 dias, em comparação com o período homólogo de reservas que tinha sido efetuado para o ano em curso. O que até explica em parte porque os preços para essas datas estejam a registar uma ligeira alta de 4%.

Como sublinha Kelly Craighead, presidente e CEO da CLIA, numa mensagem pública difundida no ‘site’ oficial da associação, “quando for o tempo adequado para que, uma vez mais, os navios de cruzeiro se lancem aos mares, a nossa comunidade será um elemento importante na recuperação económica e social global”.

 

 

 

 

 

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