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Industriais de carnes requerem apoios à tesouraria para PME em dificuldade

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Carlos Ruivo, presidente da Associação dos Portugueses Industriais de Carnes, garante que os produtores não aumentaram o preço aos seus clientes, pelo que, se se registou algum aumento do preço dos produtos nas prateleiras das grandes superfícies “foi por uma decisão dos clientes”, ou seja, da cadeia de distribuição.
6 Abril 2020, 07h30

O impacto da pandemia do novo coronavírus atinge todos. Não é só nos cuidados médicos que a atenção tem de ser extrema nos tempos que correm. A alimentação é fundamental para nos mantermos saudáveis.

O setor agroalimentar também está sob pressão. As empresas dedicadas à criação e transformação de carnes, uma área em que Portugal é deficitário, as empresas não se têm poupado a esforços para manter a entrega dos produtos alimentares em segurança em casa dos portugueses.

A APIC – Associação dos Portugueses Industriais de Carnes representa 85 empresas do setor (de abate, desmancha e indústria de transformação de carnes de suíno e bovino), que empregam cerca de 7.300 pessoas e contribuem para a economia nacional com 1,5 mil milhões de euros todos os anos.

Estas empresas equivalem a mais de 75% dos operadores económicos da indústria de carne de produtos transformados e contribuem com mais de 70% do volume de abate de carne de suíno e de produtos transformados no país.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, o presidente da APIC, Carlos Ruivo, explica quais os cenários que estão em cima da mesa, mas afasta o perigo de a alimentação dos portugueses estar em risco, pelo menos este tipo de alimentos. E revela como está a ser garantida a segurança destes produtos alimentares em tempos de pandemia.

Qual o volume de negócios do setor representado pela APIC, não só dos sócios, e como tem evoluído nos últimos anos?
A Asssociação Portuguesa dos Industriais de Carnes é o único representante deste setor, que representa em termos de volume de negócios cerca 1,5 mil milhões. A atuação da associação está focada, essencialmente, no abate e desmancha de carnes de bovino e suíno e produtos transformados de charcutaria de carne de suíno. O setor tem-se mantido estável, havendo, no entanto, uma mudança dos hábitos de consumo: verifica-se um incremento significativo nos produtos de baixa gramagem, como é o caso do produtos fatiados, em detrimento dos produtos embalados em formatos maiores. Mas o setor tem crescido em volume de facturação e o número de quilos tem sido constantes.

Quantas empresas e qual o número de trabalhadores que este setor movimenta em Portugal e como tem sido essa evolução nos últimos anos?
De uma forma geral, e falando nos principais ‘players’, o setor conta com cerca de 80 empresas, que empregam diretamente cerca de 7.500 trabalhadores. A evolução no emprego tem sido positiva, apesar de algumas empresas de média e pequena dimensão terem deixado a atividade pela enorme competitividade do setor.

Quais são os dados da produção e de vendas do setor, por segmentos de tipos de carne – bovinos, suínos, aves, ovinos e caprinos – e como têm evoluído ao longo dos últimos anos?
A APIC representa mais de 60% do número de operadores de matadouros de suínos, bovinos e pequenos ruminantes. As nossas associadas são, sobretudo, pequenas e médias empresas e trabalham maioritariamente a carne de suíno. Em conjunto, contribuem com mais de 70% do volume nacional de abate, o que representa cerca de 3,9 milhões de animais.
Quanto à indústria de produtos transformados, os nossos associados representam no nosso país mais de 72% do número total de operadores económicos e o volume de produção dos transformados, como fiambres, salsichas, chouriços, ‘bacon’ e presunto, corresponde a mais de 76%  do total nacional. Anualmente, produzem mais de 140 mil toneladas de produtos de charcutaria .

Em relação a cada um destes tipos de carnes, qual é o grau de satisfação da produção nacional perante a procura interna do consumo em Portugal?
Portugal é um país deficitário na produção animal em alguns dos setores de atividade. O que produzimos não é suficiente para o consumo interno do país e é necessário recorrer às importações para fazer face às nossas necessidades. Seria, portanto, numa análise teórica, um setor que deveria viver sem grandes restrições. No entanto, o que se verifica, na prática, é um setor debilitado pela forte concorrência do país vizinho, que coloca em Portugal a carne a preços muito competitivos, uma vez que, ao contrário de nós, eles produzem muito mais do que necessitam para o consumo interno, preferindo colocar o excedente nos mercados externos, não prejudicando assim o seu mercado interno. Quantificando o grau de satisfação, diria que ronda os 60% na carne, 80% nos transformados.

Apesar da insuficiência de auto abastecimento, existe alguma vertente exportadora deste setor? Se sim, qual a sua dimensão, para que mercados, e como tem evoluído nos últimos anos?
As empresas do nosso setor exportam essencialmente para a Europa, com destaque para Espanha, para mercados africanos (essencialmente Angola e países de língua portuguesa) e mercados asiáticos, como Japão, Coreia do Sul e China. No ano de 2019, com o início das exportações para a China e Coreia do Sul, mercados com grande potencial de crescimento, tornou-se ainda mais óbvia a nossa baixa capacidade de produção, que urge rapidamente resolver, sendo que, para isso, o Governo deveria apostar na criação de mecanismos que agilizem a produção nacional.

E na vertente importadora para Portugal, quais os princioais mercados e como têm evoluído nos últimos anos?
As importações têm-se mantido constantes nos últimos anos e o principal mercado importador continua a ser a Espanha.

Existem relatos de acréscimo de preços de 20%, 30% e 40% nos preços de diversos tipos de carne nos espaços da distribuição em Portugal. Quais são os dados de que a APIC dispõe relativamente a esta matéria e como considera que se pode combater este fenómeno?
Não temos conhecimento que os preços da carne tenham subido. Os produtores não aumentaram o preço aos seus clientes, pelo que, se esse aumento se verificou, foi por uma decisão dos clientes (cadeia de distribuição).
Contudo, num futuro próximo, o preço da carne poderá vir a subir. Esta alteração será provocada pelas exportações para a China, o maior consumidor de carne de suíno a nível mundial, que há mais de um ano se debate com um grave problema de peste suína clássica, que originou uma quebra de 40% na sua produção. Desde março do ano passado, a China, até então era o maior produtor mundial, passou a ser o maior importador do mundo.
Os impactos desta oscilação de mercados causou um elevado aumento da carne de suíno, com graves implicações na indústria transformadora, que viu a sua matéria prima essencial – a carne – ter aumentos superiores a 70%. Esta situação teve – e continua a ter – um impacto muito negativo na indústria, pois existe uma grande dificuldade em transmitir os aumentos da matéria prima carnica no produto final, disponível no mercado. A maior parte das empresas perderam margem no seu negócio e podem mesmo vir a sofrer graves consequências futuras, das quais não excluímos a perda de postos de trabalho ou mesmo encerramento de empresas.

Que constrangimentos operacionais estão as empresas do setor a Portugal a enfrentar com esta pandemia?
Existe uma grande variação de acordo com o tipo de empresa. As grandes empresas não sentiram constrangimentos maiores imediatos e algumas até aumentaram a produção nas últimas semanas, apesar de estarmos cientes que esta situação poderá mudar rapidamente. Já com as PME o cenário é um pouco diferente, tendo algumas empresas sentido grandes dificuldades, com quebras de  produção e vendas. Esta pandemia provocou um aumento direto nos custos de produção, pois cresceram os custos com as medidas de contingência as empresas. Estas empresas tiveram de criar mais turnos e rotações de pessoal, no sentido de minimizar o risco de contaminação e de saúde dos seus trabalhadores, de forma a conseguir abastecer o mercado sem roturas de produtos.

Quais as medidas que o Governo devia (ou ainda deve) implementar e ainda não fez?
Tal e qual como as empresas, o Governo tem estado a avaliar a situação ao momento, com prudência e rigor. Estamos todos a avaliar e a ajustar à medida que novos dados surgem, o que me parece a posição mais acertada. O Governo deverá implementar medidas diretas de apoio à tesouraria das empresas, dando continuidade a algumas medidas já implementadas.

De que forma é que a APIC está a tentar manter a cadeia logística de abastecimento para que não faltem produtos alimentares, neste caso, carnes, aos consumidores portugueses?
Os associados da APIC têm feito todos os esforços para que o mercado continue a ser abastecido com regularidade e sem roturas de ‘stock’, não faltando com produtos aos seus clientes. Foram implementados planos de emergência, com mais turnos e, em alguns casos, algumas empresas trabalham no fim-de-semana para minimizar os impactos. Todos estamos a encarar este momento difícil com enorme sentido de responsabilidade e de missão. Temos a plena consciência que o setor da alimentação é essencial e, por esse motivo, tudo faremos para que nada falte aos portugueses.

Neste momento, a APIC pode garantir que não vai faltar carne nas prateleiras dos supermercados portugueses ou noutros locais de vendas, ainda por cima quando alguns dos países de onde importamos carnes estão em situações ainda mais graves da pandemia?
Neste momento, todo o setor está focado para garantir o abastecimento do mercado e não tem havido falhas. As poucas ruturas que tem havido, têm sido rapidamente repostas. A garantia que podemos deixar aos portugueses é que não há motivos para ficarem alarmados.
Portugal importa de Espanha de empresas que estão habilitadas para exportar, com normas rigorosas de controlo sanitário. Já de Itália não é importada carne para indústria.
Todos os nossos trabalhadores merecem uma palavra de agradecimento por permitem com o seu trabalho a continuidade e a normalidade no abastecimento às famílias portuguesas. E este agradecimento estende-se ainda a todos os profissionais que trabalham para garantir toda a confiança nos produtos, como os médicos-veterinários dos controlos oficiais e a inspeção-sanitária, muitos deles com prestação constante e diária nas nossas empresas.

De que forma é que os associados da APIC estão a assegurar a qualidade das carnes que estão neste momento, e nos próximos meses, a ser consumidas pelos portugueses?
As empresas coninuam a trabalhar com elevados procedimentos de rigor da qualidade e da segurança dos seus produtos – a  maioria delas são certificadas, voluntariamente, em Normas de Qualidade e de Segurança Alimentar. A par disso, todos os controlos oficiais, realizados pela Direção-Geral de Veternária e outras entidades oficiais, continuam a decorrer na total normalidade, pelo que os portugueses podem ter total confiança nos produtos.

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