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Inteligência Artificial terá futuro “promissor” se for “responsável”

Empresas tecnológicas recusam alarmes de que os algoritmos vão controlar o mundo, destacam regulação pioneira na Europa e anteveem mais projetos com capacidade de mudar a sociedade.
29 Maio 2022, 20h00

O mercado da Inteligência Artificial (IA) deverá ultrapassar a marca dos 135 mil milhões de dólares (126 mil milhões de euros) em valor até ao final do ano, de acordo com os analistas da MoneyTransfers.com. Segundo a empresa britânica, o investimento mundial privado nesta tecnologia atingiu os 93,5 mil milhões de dólares (87,3 mil milhões de euros) em 2021, o que representa mais que o dobro do que no primeiro ano da pandemia e se deve ao melhor desempenho dos algoritmos, ao aumento dos casos de uso (use cases) de produtos e serviços e ao trabalho das startups.

O Jornal Económico (JE) foi falar com startups que têm contribuído para esse desenvolvimento tecnológico em Portugal além-fronteiras. Uma delas é a Didimo, que cria réplicas virtuais de humanos (avatares), cuja fundadora e CEO garante que a procura tem aumentado, sobretudo em empresas de jogos eletrónicos e até mesmo moda – sector para o qual criaram provadores virtuais (try-on) para que as pessoas pudessem experimentar a roupa sem sair de casa.

“As pessoas têm algum receio de que a tecnologia se desenvolva a ponto de dominar o mundo, mas é importante perceber que a IA é tão inteligente como nós a programamos e, por isso, quem tem o poder é quem a desenvolve. A IA existe para solucionar problemas específicos dentro de problemas maiores. É uma tecnologia que aprende a se desenvolver sozinha, mas até certo ponto, porque para lá chegar é preciso que exista uma equipa por detrás. Acredito que o futuro é muito promissor nesta área”, disse Verónica Orvalho.

Para o CEO da conimbricense Imaginary Cloud, que desenvolve software e design de UX/UI (experiência e interface de utilizador), este ritmo de crescimento da tecnologia “é justificado pela crescente penetração das soluções de IA nas mais variadas indústrias e empresas”, algo que antes era exclusivo de algumas atividades ou organizações de grande dimensão. “A IA está agora acessível a praticamente todos os mercados e dimensões de empresa. Embora esta acessibilidade provenha do facto de cada vez mais empresas de desenvolvimento de software oferecerem serviços de IA, a realidade é que menos de 5% destes fornecedores o fazem, demonstrando um grande potencial de crescimento deste mercado”, argumenta Tiago Franco ao JE.

As duas maiores economias do mundo, os Estados Unidos (EUA) e a China, continuam a liderar os investimentos no campo do machine learning e da conexão de dispositivos. Por exemplo, no final de 2020 tinham sido investidos mais de 23 mil milhões de dólares (21,5 mil milhões de euros) só pelas empresas norte-americanas. Mas as Terras de Tio Sam podem ser destronadas a qualquer momento dadas as ambições de Pequim em ser o centro da inovação mundial.

Por outro lado, quando se olha para a regulação, é a União Europeia (UE) que está na frente, com uma proposta de regulamento sobre a IA (Artificial Intelligence Act) pioneiro que divide os riscos das máquinas e dos algoritmos em quatro e, simultaneamente, procura dar espaço para a criatividade dos vanguardistas da tecnologia. A França, que está na presidência rotativa do Conselho da UE, já demostrou que o tema não está na gaveta e propôs algumas mudanças, inclusive mais poderes para as autoridades nacionais auditarem os produtos de IA antes de irem para o mercado.

“[O AI Act] segue uma orientação que, assente em princípios éticos, vai bastante longe, ao traçar um enquadramento regulatório exigente e equilibrado. Importante é que as regras sejam claras, exequíveis e não desproporcionadas, para não colocarem a UE num terreno desfavorável para a concorrência com os dois players”, refere o professor Luís Barreto Xavier, referindo-se ao EUA e à China.

Gonçalo Consiglieri, cofundador e Chief Operating Officer (COO) da Visor.ai, garante que encara esta proposta de Bruxelas “com normalidade”, pois acredita que “são passos naturais que acontecem sempre que um sector cresce o suficiente, ao ponto de ter de ser regulado”. “No fundo a IA é uma ferramenta, tal como muitas outras que já surgiram no passado e que tanto pode ser utilizada para use cases com impacto positivo, como negativo. Na nossa visão, as soluções que vão vingar no mercado são as que têm em conta as boas práticas do Responsible AI [IA Responsável], que consigam garantir o cumprimento da regulamentação que já existe e, principalmente, daquela que vai existir”, argumenta o COO.

É aí que entram empresas como a Unbabel, que lidera um consórcio para criação de um centro de IA responsável (ética) com pelo menos 100 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência. “É particularmente relevante em sectores como a saúde e advocacia, por exemplo, pois são áreas em que qualquer erro de tradução pode ter consequências graves”, explica o diretor de tecnologia da Unbabel ao JE. João Graça esclarece que a empresa conta com uma “tecnologia patenteada com a capacidade de compreender se a tradução automática é fiel ou não, uma avaliação que é replicada para o tradutor humano e ainda se for necessário para um segundo tradutor”. “Caso a IA detete que a tradução automática tem qualidade suficiente para avançar para o cliente final, o processo termina aí”, esclarece.

“A IA vai continuar a proporcionar importantes vantagens para as empresas e as pessoas, mas será, também, cada vez mais objeto de regras que definam limites e condições dirigidas à sua utilização para benefício humano e que minimizem os riscos que inegavelmente lhe estão associados”, conclui Luís Barreto Xavier, que pertence ao grupo de Investigação em Direito e IA da Universidade Católica Portuguesa.

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