“Naquele doce mês de Setembro de 2019, dois homens encontram-se em Stresa, nas margens do muito chic lago Maggiore (norte de Itália). Um, Lionel L., é tenente-coronel do exército francês, colocado numa base da NATO, próximo de Nápoles. O outro, Iouri A., é um agente do temível serviço russo de informações militares, o GRU. Vigiado pelos serviços de contraespionagem ocidentais desde 2010, o espião teria chegado há alguns dias a Itália, acompanhado da sua filha de 20 anos, no que ele pensaria ser uma boa história de cobertura. O encontro de duas horas e meia ficou imortalizado por fotos diversas tiradas pelos serviços italianos.”

Le Point, 27/04/2023

A revista francesa dá mais alguma informação sobre o assunto, sendo que ele é sobretudo penoso pelo que representa de traição, ou “potencial traição” levada a cabo por um oficial de tão alta patente. Mas é também reveladora de quão importantes são serviços de informações bem preparados, bem equipados, com bons recursos humanos e que, por isso mesmo, contribuam para que todos nós possamos viver um pouco mais tranquilos.

Portugal, por razões da sua história recente, tem tido uma relação nem sempre tranquila com os serviços de informações, sejam eles os vocacionados para a segurança interna, sejam os vocacionados para a segurança externa. As memórias de um regime que se suportou, em grande medida, numa “polícia secreta”, alguns maus exemplos que ocorreram no início da actuação dos serviços de informações, a tão portuguesa bisbilhotice, criaram algumas desconfianças que hoje é bom que não façam sentido.

A diferenciação da ameaça, a sofisticação dos meios, nomeadamente através da utilização do ciberespaço, os movimentos de acentuada radicalização, a mobilidade populacional e, agora, a guerra devem levar-nos a reforçar o nosso sistema de informações nas suas diversas dimensões.

Por um lado, tendo em vista a salvaguarda da independência nacional, da segurança externa do Estado Português e dos interesses estratégicos do país, localizem-se estes onde quer que seja. Por outro, salvaguardando a segurança interna e a prevenção da sabotagem, do terrorismo, ou de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de Direito.

Ponto é que os serviços actuem com eficiência e eficácia e dentro dos limites fixados pela constituição e pela lei.

Para que possamos reflectir um pouco sobre o que estamos a falar e sobre a dimensão de algumas das nossas preocupações, ouçamos o que disse a 12 de Abril de 2023, na Assembleia Nacional francesa, o Embaixador Bernard Émié, Diretor-geral da Segurança Externa (DGSE): “a informação é uma das chaves da autonomia da França, da sua soberania e da sua influência no mundo”;  “nós somos o único serviço especial e secreto da comunidade das informações: algumas das nossas acções não podem ser assumidas, não podem ser reivindicadas, não podem ser imputadas ao Estado. Nós temos a responsabilidade da acção secreta do Estado, o que é cada vez mais difícil num mundo que entende a transparência como um valor em si mesmo.”

O que está em causa é sabermos quais os interesses estratégicos de Portugal, no imediato e no longo prazo, e criarmos condições para os proteger e promover.

Porventura esta foi uma matéria em que desaprendemos. Como bem ensina Jaime Cortesão, a propósito das navegações portuguesas e das crónicas da época: “esses dois cronistas (Rui de Pina e Eanes de Azurara) prestaram-se à tarefa de fazer desaparecer das suas crónicas tudo a respeito dos descobrimentos que ainda não convinha ser revelado antes do Tratado de Tordesilhas assinado em 1494. Cortesão afirma que o texto do códice parisino da Crónica da Guiné de Zurara, está mutilado e desconexo: “Deturpada já no original, foi possivelmente sujeita à censura do Infante que eliminou dela tudo o que ainda não convinha revelar-se”, in A Política do Sigilo nos Descobrimentos.

Aqui chegados, resta dizer que a centralidade dos serviços de Informações na organização da segurança interna e externa do Estado Português convive melhor com a descrição do que com a notoriedade.

PS: O autor declara que não pertence, nem nunca pertenceu, a qualquer serviço de informações e que todos os documentos citados se encontram em acesso livre na internet.