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Investimentos de grandes grupos abrem guerra pelo talento

A vinda da Google relança a questão: Tem Portugal capacidade de resposta? No curto prazo, a pressão das multinacionais vai obrigar as empresas nacionais a tentar segurar os mais qualificados, o que é bom.
12 Fevereiro 2018, 07h25

Se pudesse escolher, onde gostaria de trabalhar? A pergunta consta do cardápio de questões que muitos recrutadores pedem aos candidatos para responder. Na empresa de recrutamento e executive search Michael Page faz-se a pergunta. “Mais de metade dos candidatos escrevem Google”, conta António Costa ao Jornal Económico.”Sendo tão desejada, a norte-americana não terá qualquer dificuldade no mercado português”, justifica o manager de Information Technology.

Nuno Troni, diretor de recrutamento especializado da Randstad Portugal, alinha pelo mesmo diapasão, lançando mais um dado à análise: “A Google vai seguramente conseguir recrutar, tenho é dúvidas sobre a resposta que a concorrência vai dar para reter o (seu) talento…”

Embora do investimento da Google só se saiba, por enquanto, que vai criar um pouco mais de 500 empregos, desconhecendo-se o grau de qualificação desses mesmos empregos, o efeito vai ser muito interessante num mercado como o de TI (tecnologias de informação) português. Um primeiro dado está, para já, em jogo: a guerra pelo talento vai aquecer, obrigando as empresas concorrentes a usar argumentos para conseguirem reter os melhores.
Na aldeia global, as grandes multinacionais de tecnologia quando se instalam em novas geografias sabem ao que vão, sublinha Victor Pessanha, manager de IT e Engenharia da empresa de recrutamento Hays: “As multinacionais entram com um budget muito acima do mercado e um nível de competitividade maior face às empresas nacionais instaladas, que poderão ficar essas, sim, numa situação de desconforto”.

Esse desconforto vai, entre outros aspetos, exercer pressão sobre os salários. Mas não só, diz Nuno Troni. “A retenção não passa só pela questão salarial, tem muito a ver com uma perspetiva de carreira, com a formação, com o ambiente de trabalho…”

Como é que uma PME (pequena e média empresa) reage à ameaça? Bem. “O mercado está preparado e nós próprios também”, afirma Catarina Rochinha. A responsável de Marketing e Comunicação da Affinity, empresa portuguesa de serviços na área das TIC com serviços de outsourcing, nearshore e mobile defende que a “atratividade da Google é diferente”, mas tem dúvidas se será melhor. “A vantagem de trabalhar numa PME está, entre muitos outros aspetos, em não ser apenas mais um a desenvolver uma linha de código. Numa PME cada individuo faz a diferença”, sublinha Catarina Rochinha. Nuno Guerra, CEO da tecnológica portuguesa Create IT, explica, por seu turno que “para conseguir atrair talento”, a empresa aposta “numa cultura de empresa que o atrai e o retém.”

Investimento

Cisco Systems, Siemens, Fujitsu, Altran, BNP Paribas, Europcar, Xerox, IBM, Mercedes-Benz… A deslocalização de centros de competências para Portugal tem vindo a afirmar-se nos últimos anos e tudo indica que vá acelerar nos próximos, contribuindo para a recuperação do emprego. À localização estratégica, infraestruturas e rede de telecomunicações juntam-se competências linguísticas acima da média, apetência por novas tecnologias e facilidade natural de relacionamento com outras culturas.

“Uma prova que há quadros especializados para o investimento da Google e de outros players mundiais, é o próprio anúncio em si”, vinca Filipe Esteves, diretor-geral da agap2IT, justificando: “A empresa fez um trabalho de fundo no sentido de averiguar as condições essenciais para avançar com o empreendimento”.

Guilherme Ramos Pereira, diretor executivo da recém-criada Associação Portuguesa de Data Science, admite, por seu turno, que “o desafio para Portugal há muito que não reside (só) na atração de players internacionais de referência, reside também na sua retenção, o que passa muito pela capacidade de lhes entregar o que as empresas procuram: talento”. Isto só se conseguirá, acrescenta, se se continuar “a apostar fortemente na formação, qualificação e certificação de recursos, mas também na referida atração de talento internacional”.

Na leitura de Anabela Possidónio, diretora do The Lisbon MBA, Portugal tem mão de obra disponível para receber estas e outras empresas digitais, no entanto, a componente da importação não será nunca descartada. “Quando falamos destas tecnológicas estamos a falar de workspaces ricos com pessoas de diversas nacionalidades e culturas bastante diferentes. O que estimo que a Google faça é, não só contratar em Portugal, mas também “importar” mão de obra criando um ambiente corporativo diferenciado à semelhança do que faz noutros países, inclusive nos EUA”, sublinha.

Num mundo sem fronteiras, com as condições de trabalho e carreira que garantem, as multinacionais arrastam talento. Aos jovens estrangeiros, que irão querer mudar-se para Portugal, há que juntar jovens portugueses que, nos últimos anos, abandonaram o país em busca de melhores condições de vida.

Fernando Neves de Almeida, managing partner da Boyden Global Executive Search Portugal acredita que assistiremos a uma conjugação do efeito de recrutamento nestas duas tipologias de candidatos. “Processos de investimento na linha do que agora sucede com a Google têm como consequência a criação de postos de trabalho integrados em marcas de referência a nível global, o que se afigura como oportunidade de retorno de profissionais portugueses que procuraram desenvolver a sua carreira no exterior”, justifica.

Leitura idêntica tem Gonçalo de Salis Amaral, senior manager da Neves de Almeida – HR Consulting: “Com a própria transformação da força de trabalho, cada vez mais global, mais diversificada, móvel e acessível remotamente, bem como as tipologias de vínculo às organizações distintas, devemos e podemos alavancar esta já real transformação para dar resposta às solicitações, assim como as restantes condições favoráveis que o nosso país oferece”.

Requalificar é palavra

O mercado das tecnologias de informação português é curto. Nos últimos anos vários projetos de reconversão profissional têm vindo a nascer e a “redirecionar” profissionais que se encontravam desempregados para esta área. É um outro caminho.

Carla Rebelo, diretora-geral da Adecco Portugal realçaa propósito: “Como Portugal está claramente nos destinos de eleição não só das tecnologias de informação como das multinacionais, temos uma oportunidade e um desafio: fazer em poucos anos aquilo que outros levaram tempo, que é requalificar e reconverter”.

A academia concorda e tem soluções. “Os programas nacionais de formação de recursos humanos como, por exemplo, o InCODE, ou as novas ofertas das universidades (entre as quais o novo curso de Ciência de Dados do IST) poderão colmatar parcialmente esta escassez, mas não é previsível que a venham a resolver integralmente no curto ou médio prazo”, avança o presidente do Instituto Superior Técnico. Arlindo Oliveira traça o panorama ao Jornal Económico: “A Google irá competir no mercado nacional e internacional com um grande número de outras empresas que se instalaram ou irão instalar em Portugal, contribuindo para esta escassez.”

Pedro Hipólito, partner da Argo Partners, concorda que a questão se coloca no longo prazo: “Tendo em conta que para os próximos anos se antecipa a implementação de outros hubs digitais e centros de serviços na área tecnológica em Portugal, poderá haver claramente um problema de escassez de talento disponível no longo prazo, o que poderá ser uma ameaça clara a futuros investimentos”.

Porém, no que respeita ao curto prazo, o responsável da Argo prefere esperar para ver antes da palavra final. “Não se sabendo ainda detalhes sobre os perfis a recrutar, é prematuro tirar conclusões sobre a disponibilidade de recursos no mercado.”

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