Podemos estar descansados. A Justiça funciona em Portugal. O juiz Ivo Rosa vai ser o responsável pela instrução do processo do caso BES. O maior escândalo bancário em Portugal desde Alves dos Reis, que já custou milhares de milhões de euros aos contribuintes, ficará a cargo de um juiz que tem a reputação de não dar um excessivo benefício da dúvida aos arguidos, sobretudo quando estes são ricos e poderosos.

Não há que ter medo: se houver indícios fortes, o juiz não deixará que caiam com base em technicalities. Estejam, por isso, descansados todos os lesados do banco e os contribuintes que durante anos a fio têm pago a fatura. Confesso que receava que o processo fosse parar às mãos de um juiz que tivesse um extenso track record de deixar cair acusações do Ministério Público em casos de colarinho branco, mas não, quis a fortuna que o escolhido fosse Ivo Rosa. Ainda dizem que a Justiça não funciona em Portugal!

Estou a ser irónico, evidentemente. E não tenho forma de saber se Ivo Rosa é ou não um bom juiz. O que sei é que sistematicamente desfaz o trabalho do Ministério Público e que este critica abertamente as suas decisões de uma forma que não é habitual. E tudo isto não contribui, seguramente, para reforçar a credibilidade da Justiça aos olhos dos portugueses.

No processo Marquês, por exemplo, os procuradores do Ministério Público que elaboraram o recurso da decisão instrutória de Ivo Rosa são taxativos na avaliação que fazem do trabalho do juiz nesse processo.

Segundo foi noticiado pelo “Público” e pelo “Observador”, no recurso que foi apresentado ao tribunal no final do mês passado, os procuradores defendem que Ivo Rosa fez uma análise “desequilibrada”, “formalista”, “superficial” e “ingénua” da prova, menosprezando a investigação e distorcendo os crimes de que os arguidos eram acusados. Recorde-se que Ivo Rosa concluiu que, dos 28 arguidos do caso Marquês, apenas cinco iriam a julgamento. Ao mesmo tempo, os crimes de que José Sócrates e outros arguidos (incluindo Ricardo Salgado, ex-presidente do BES) são acusados passaram de 189 para apenas 17.

“Esse desprezo sobre o narrativo acusatório tem a sua principal expressão na circunstância de a decisão instrutória ter omitido os factos relacionados com os movimentos financeiros, que ocupam uma parte significativa da acusação, apesar de os admitir como indiciados”, refere o documento, segundo o “Observador”. E adianta: a “agressividade” da decisão instrutória de Ivo Rosa no processo Marquês não deixa “de evidenciar uma interpretação errada e viciada da tese vertida na acusação, isto é, da leitura dos factos narrados na acusação”.

No caso BES, o antigo presidente do banco é acusado de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção, burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais, entre outros delitos que, segundo o Ministério Público, causaram perdas no valor de 11,8 mil milhões de euros. Mas a partir de agora não serão muitos os portugueses a duvidar da retirada de muitas dessas acusações contra Ricardo Salgado e outros ex-responsáveis do BES. E o que diz isso sobre o estado da Justiça no nosso país?