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Presidente da Mylan para a Europa: “Atraso nos genéricos têm custado centenas de milhares de euros ao SNS”

“Usando um exemplo de arbitragem, cuja validade dos direitos intelectuais não foi avaliada pelos tribunais de arbitragem, estimamos que o SNS teria poupado mais de 40 milhões de euros num ano, o equivalente ao tratamento de mais de 35 mil pacientes”, realça Jacek Glinka.
7 Junho 2018, 09h15

Qual é, para a Mylan, o principal obstáculo para o desenvolvimento do Mercado de genéricos em Portugal?

A Mylan é uma empresa da área dos cuidados de saúde com um portefólio com mais de 7.500 produtos, com medicamentos de marca (originadores), medicamentos genéricos, medicamentos não sujeitos a receita médica e produtos de saúde.

Há mais de 10 anos que a Mylan está presente em Portugal. Hoje, somos a empresa nº 1 em Portugal no mercado farmacêutico de ambulatório, segundo os últimos dados da IQVIA (abr.2018) e oferecemos acesso a uma gama vasta de medicamentos de marca, medicamentos genéricos e medicamentos não sujeitos a receita médica, no mercado de ambulatório e hospitalar.

A Mylan possui, em Portugal, um vasto portefólio de mais de 126 medicamentos genéricos cuja penetração é de 7,5%, uma das mais baixas na Europa.

Uma das razões para o atraso no desenvolvimento do mercado de genéricos em Portugal esteve ligado ao facto de os médicos não terem que gerir o seu orçamento, pelo que sem medidas de incentivo, mantiveram os seus hábitos de prescrição inalterados, i.e., prescrevendo medicamentos de marca – este hábito atrasou significativamente o desenvolvimento do mercado de genéricos. Posteriormente, a possibilidade da substituição automática na farmácia e a obrigatoriedade da prescrição por DCI (Denominação Comum Internacional), foram as medidas que contribuíram para o desenvolvimento deste mercado, o qual foi ainda melhorado com a prescrição eletrónica.

O mercado nacional dos medicamentos genéricos tem cerca de 15 anos, e a quota dos medicamentos genéricos em ambulatório está longe do da Alemanha ou do Reino Unido; este segmento de mercado atingiu o valor mais elevado em ambulatório, de 48,2%, no primeiro trimestre de 2018. Se se considerar apenas o mercado dos medicamentos onde existem alternativas genéricas, a quota é de 64% – como o Infarmed referiu, em 3 medicamentos vendidos 2 são genéricos. O incentivo concedido às farmácias, de 0,35€/embalagem de genérico vendido, pertencente ao grupo dos dois mais baratos, ajudou a que a quota tenha aumentado 1,2% versus o fim do ano de 2017, além da reforçada confiança da população e profissionais de saúde na qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos genéricos.

 

Quais são as principais dificuldades que enfrentam?

Atualmente, as maiores dificuldades não são na prescrição de medicamentos genéricos, mas no sistema de arbitragens vigente, o qual é utilizado para a disputas dos direitos de propriedade intelectual (PI), vulgarmente conhecidos como patentes. Este sistema é imprevisível, e tem atrasado o acesso dos doentes a mais medicamentos genéricos.

O número exagerado de arbitragens, devido a um prazo de 30 dias para iniciar os processos de disputa, e a recusa frequente dos árbitros para discutirem a validade dos direitos de PI, tem atrasado a comercialização de medicamentos genéricos. Esta última situação foi avaliada pelo Tribunal Constitucional no ano passado, o qual reconheceu a competência dos Tribunais Arbitrais para avaliar a validade dos direitos de Propriedade Intelectual.


Os Tribunais arbitrais falham no cumprimento dos objetivos na disputa dos direitos de propriedade intelectual? Como se justifica isto?

Claro que sim! Quando um tribunal arbitral se recusa a discutir a (in)validade de uma patente, está a retirar à empresa do medicamento genérico a possibilidade de expor e discutir os argumentos de defesa disponíveis.

Por outro lado, o número de arbitragens que se inicia devido ao prazo de 30 dias após a publicação dos pedidos dos medicamentos genéricos, leva a que os titulares das patentes iniciem os processos de litigação logo que detetam um novo pedido, sem tempo para verificar a aplicabilidade do processo ou se a disputa faz sentido. Como consequência, o número de litigâncias aumenta significativamente, o que se traduz no atraso dos processos de arbitragens e um aumento das despesas associadas, não necessárias, e para as duas partes envolvidas.

 

Será exagerado dizer que os Tribunais Arbitrais são os principias obstáculos à entrada dos medicamentos genéricos no mercado nacional?

O problema não são os tribunais arbitrais em si, mas o sistema de arbitragens em vigor em Portugal. O sistema de arbitragem de medicamentos introduzido em 2012 teve como propósito a resolução célere dos problemas de disputa de patentes em Portugal, contudo a forma como tem sido utilizado não cumpre com os propósitos da lei. O sistema necessita melhorias para uma maior eficiência: as arbitragens deveriam ser voluntárias e não necessárias, sem um prazo para o inicio da litigância (os 30 dias são “motores” de múltiplas arbitragens), e o reconhecimento formal de que os Tribunais Arbitrais podem, e devem discutir a invalidade dos direitos invocados. Na prática, estas condicionantes são fortes barreiras à entrada de medicamentos genéricos no mercado Português.


Qual é o valor de perdas estimado para o SNS devido à ineficiência e bloqueios resultantes dos Tribunais Arbitrais?

O atraso na disponibilização efetiva de medicamentos genéricos tem “custado” centenas de milhares de euros por ano ao SNS. Por exemplo, recentemente os direitos de propriedade intelectual, de um medicamento, foram discutidos na Alemanha, e a favor do genérico; em Portugal, para o mesmo caso, foi tomada uma decisão sem discussão da validade dos direitos invocados pelo medicamento de marca, e a decisão foi contra o medicamento genérico – como consequência desta decisão estimamos que em Portugal signifique uma despesa para o SNS de mais de 109 milhões de euros em 3 anos, o que equivale ao tratamento de mais de 93 mil doentes ao preço atual do medicamento de marca. Este medicamento é para o tratamento do VIH/SIDA, e é também utilizado na prevenção da infeção, através de um programa que tem um teto de despesa anual, pelo que é fácil entender que, caso tivesse existido a discussão da (in)validade dos direitos invocados, poderia ter havido aumento do acesso a todos os doentes que necessitam deste medicamento, para o mesmo orçamento do SNS. Considero que a decisão proferida em Portugal impede que se obtenha a necessária eficiência do sistema de saúde nacional.

Os primeiros a obterem o benefício da melhoria da lei de arbitragem são os cidadãos, muitos dos quais também doentes, porque assim terão ao seu dispor alternativas mais acessíveis, mais rapidamente. Em segundo lugar, o Serviço Nacional de Saúde, porque a disponibilidade de medicamentos genéricos aumenta a competitividade e reduz as despesas em pelo menos 50% para cada molécula. Também beneficiam as empresas, tenham estas medicamentos de marca ou genéricos.

Usando um exemplo de arbitragem, cuja validade dos direitos intelectuais não foi avaliada pelos tribunais de arbitragem, estimamos que o SNS teria poupado mais de 40 milhões de euros num ano, o equivalente ao tratamento de mais de 35 mil pacientes.

A Mylan é uma das empresas que lançou recentemente um novo medicamento genérico, e que se comercializado sem interrupção por uma arbitragem, estima-se que possa reduzir a despesa do SNS em pelo menos 5,2 milhões de euros por ano.

 

E para a indústria farmacêutica?

Com o sistema em vigor, a indústria farmacêutica dos medicamentos de marca consegue estender o período de exclusividade para lá do período legalmente estipulado pela patente, e os seus preços são, em média, 50% mais elevados do que os das suas alternativas genéricas.

A indústria dos medicamentos genéricos tem margens bastantes mais estreitas, o que é facilmente compreendido quando se sabe que os seus preços variam entre menos 50% a 80% do preço do medicamento de marca, para os mesmos custos fixos regulamentares e operacionais. Um bloqueio de comercialização tem, assim, um impacto significativo.


Quando os Tribunais Arbitrais falham a quem podem apelar?

Pode existir apelo ao Tribunal Constitucional ou ao Tribunal de Patentes (TPI). Estes são processos de recurso, e significam consumos adicionais de recursos que podiam ser evitados.


Existem decisões em Portugal desfavoráveis ao medicamento genérico, em que os mesmos casos, avaliados em outros Tribunais Europeus tenham resultado em decisões favoráveis à sua comercialização?

Sim, temos alguns exemplos de casos da Mylan, que a nível nacional foram decididos contra os medicamentos genéricos e que em outros países europeus, porque os casos foram totalmente avaliados, os direitos de Propriedade Industrial foram reconhecidos como inválidos.

 

Se tudo evoluir como espera, qual poderia ser a quota de Mercado dos genéricos?

Com o sistema a funcionar corretamente, principalmente com a discussão da invalidade dos direitos invocados, acredito que Portugal pode atingir rapidamente uma quota de mercado de medicamentos genéricos de 60 a 80%.

Adicionalmente, a Mylan também está no segmento dos medicamentos biossimilares, e se um medicamento biossimilar for bloqueado, como tem acontecido com os medicamentos genéricos, o impacto de tal situação será muitíssimo mais elevado para os doentes e para o SNS.

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