Quem pára a chacina na Nigéria?
Sucedem-se os ataques, multiplicam-se as vítimas. Cruelmente, são na sua maioria mulheres, crianças e idosos. Igualmente crescente é a brutalidade com que os ataques são perpetrados. E escolher crianças como bombas-suicidas?
O choque é total. O mundo pára (deveria ter parado, não deveria?). Mas o contexto interno tudo condiciona. Como pode a ajuda internacional mobilizar-se quando internamente não se reconhece ou legitima tal necessidade? As estruturas políticas, militares e económicas são o que melhor define um país. Poderá uma intervenção levar a uma escalada de violência e ao desembocar num cenário de guerra civil que ninguém deseja? E assim se instala o caos. O grupo extremista Boko Haram lançou o primeiro ataque com bombistas suicidas femininas em junho do ano passado e, desde então, têm sido frequentes. Em Kano, numa só semana, fizeram quatro ataques.
No domingo passado, num mercado ao ar livre, a meio da tarde, na cidade de Potiskum, localizada no Estado de Yobe, frequentemente atacado pelo grupo terrorista Boko Haram, duas crianças foram usadas como bombas-humanas num atentado que viria a provocar três mortos e 46 feridos. No dia anterior, outra criança de 10 anos foi também usada como bomba noutro atentado que provocaria a morte de 20 pessoas, deixando mais 18 feridos. Os comerciantes da zona, como Sani Abdu Potiskum, testemunharam os atentados e asseguram aos media internacionais que tiveram oportunidade de ver os seus cadáveres e que, de facto eram duas meninas, que não teriam mais de dez anos. Os atentados em julho e novembro últimos, também estes envolvendo “meninas bombas”, como a de dez anos encontrada em Katsina envergando um colete explosivo, vão afastando as meras especulações e confirmam, sem sombra de dúvida, que as meninas são obrigadas a ser bombas humanas, em vez de o fazerem por motivações ideológicas.
Sobre os últimos dias, informações avançadas pela Al-Jazeera colocam a hipótese de grupo terrorista ter já assassinado duas mil pessoas na cidade de Baga, região nordeste da Nigéria. Baga era a última das cidades do nordeste da Nigéria por conquistar pelos islamitas, segundo analistas de segurança consultados pela Al-Jazeera. Para os especialistas, tendo em conta que esta era a única cidade ainda sob o domínio do Governo nigeriano, assumia uma “importância estratégica” para o Boko Haram.
A importância de Baga passa pelo facto de se situar junto ao Lago Chade e perto da fronteira com vários países. O grupo já terá conquistado 16 cidades à volta de Baga, sendo que esta última ainda resistia devido a uma base militar nigeriana, que deveria ter sido reforçada com tropas dos países vizinhos. No entanto, a falta de consenso entre os respetivos governos relativamente à distribuição das tropas permitiu o avanço dos terroristas.
Baba Abba Hassan, líder político local, em declarações, à AFP relata que os terroristas entraram na cidade e lançaram granadas sobre a população e, em seguida, dispararam indiscriminadamente sobre quem ainda estava nas ruas e nas casas. As mulheres, crianças e idosos foram, na sua maioria, os habitantes da cidade que não conseguiram fugir a tempo e por isso, os mais atingidos.
“A carnificina humana levada a cabo pelos terroristas do Boko Haram em Baga é enorme”, declarou à AFP Muhammad Abba Gava, porta-voz dos combatentes civis que tentam travar o avanço de Boko Haram na região. Gava afirmou ainda que em Baga deixaram de contar os corpos, já que “ninguém podia fazer nada e mesmo os mais feridos já devem ter morrido nesta altura”, admitiu.
O que pesa na consciência do mundo?
Segundo avançam as Nações Unidas, em pouquíssimos dias, esta última onda de ataques do grupo radical islâmico levou à fuga de 11 320 pessoas para o vizinho Chade.
Embora seja impossível, até ao momento, realizar uma verificação independente das informações sobre a chacina, os analistas temem que este ataque a Baga tenha sido o pior massacre desde a intensificação da revolta do Boko Haram, em 2009, altura em que as forças de segurança nigerianas mataram o seu fundador e líder espiritual, Mohamed Yusuf.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) já veio confirmar que cerca de 20 mil pessoas terão fugido das suas casas naquela zona desde o ataque, tendo então
11 320 conseguido chegar ao Chade. Aproximadamente 60% dos refugiados que chegaram ao Chade são mulheres e crianças, 84 delas desacompanhadas, disse em Genebra o porta-voz do ACNUR William Spindler.
Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, criticou os “cruéis ataques contra civis” atribuídos ao Boko Haram, nomeadamente o ataque no mercado de Maiduguri, capital do estado de Borno, que matou 19 pessoas na sequêcia da explosão de uma bomba colocada na menina de 10 anos. “A utilização de uma criança para detonar uma bomba é não só moralmente repugnante como constitui uma forma de exploração infantil de acordo com a lei internacional”, frisou. Shamdasani deixou ainda um pedido ao Governo da Nigéria para que decida “agir rapidamente para restaurar a lei e a ordem”.
Esta situação levou um bispo nigeriano a pedir o mesmo nível de apoio internacional à Nigéria no combate ao Boko Haram que o dado à França depois dos ataques de radicais islâmicos da semana passada. “Vejo a resposta muito positiva do Governo francês para enfrentar a questão da violência religiosa depois do homicídio de cidadãos franceses. Precisamos que esse espírito se espalhe, não só quando acontece na Europa, (mas também) quando acontece na Nigéria, no Níger, nos Camarões e em muitos países pobres”, disse o arcebispo católico de Jos, Ignatius Kaigama. “Precisamos de mobilizar os recursos internacionais para confrontar as pessoas que trazem esta tristeza a tantas famílias”, disse o bispo ao serviço de rádio BBC.
Neste mesmo registo, o diretor do fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF), Anthony Lake, veio frisar que os testemunhos impressionantes de sobreviventes dos ataques a Baga e o recurso a crianças de 10 anos “deviam estar a pesar na consciência do mundo”. “As imagens dos últimos dias e tudo o que implicam para o futuro da Nigéria deviam desencadear uma ação eficaz. Isto não pode continuar”, disse Lake.
Em Washington, o Departamento de Estado dos EUA já reagiu, pedindo à Nigéria, à República de Níger, ao Chade e aos Camarões que “tomem todas as medidas possíveis para limitar esta ameaça urgente”.
Sobre a atuação do Governo nigeriano, sabe-se que os confrontos entre os terroristas e os soldados nigerianos ainda estão a acontecer e a Nigéria já veio dizer publicamente que foram enviados para o terreno mais militares e equipamento para combater o Boko Haram.
Entretanto, o exército da Nigéria pediu apoio “em vez de críticas”. O porta-voz do exército veio frisar que este último ataque foi “o mais mortífero” e pediu “ao mundo inteiro para colaborar na luta contra o maléfico Boko Haram, em vez de criticar aqueles que trabalham para derrotá-lo”. Estas declarações surgem em resposta às críticas relativamente à atuação dos militares em Baga, de onde, alegadamente, terão saído depois do primeiro ataque, deixando a cidade sozinha e incapaz de se proteger deste último ataque. “O Exército nigeriano não desistiu de Baga nem de outras localidades onde a atividade dos terroristas prevalece”, disse o porta-voz, de acordo com a EFE, que cita o diário PM News.
Por seu turno, o Presidente nigeriano, Goodluck Jonathan, criticado por não conseguir controlar a insurreição, emitiu um comunicado condenando os ataques de Paris, apesar de raramente se pronunciar sobre ataques no seu país.
143 terroristas mortos
As Forças Armadas dos Camarões mataram 143 combatentes do grupo islamita Boko Haram, após um ataque do grupo a Kolofata. “No final dos combates, o balanço é desfavorável aos assaltantes: 143 terroristas mortos e um importante arsenal de guerra apreendido, é de longe a mais pesada perda da seita de criminosos desde que decidiu dirigir os seus bárbaros ataques contra o nosso território”, disse o ministro das Comunicações e porta-voz do Governo camaronês, Issa Tchiroma Baka.
Terrorismo afeta urnas de voto
Segundo a agência eleitoral da Nigéria, as eleições do próximo mês vão avançar em três estados nordestinos bastante atingidos pela violência do Boko Haram, embora haja poucas perspetivas de votação nas áreas ocupadas por insurgentes. “A INEC (Comissão Eleitoral Nacional Independente) sempre disse que se estava a preparar para conduzir eleições em todos os 36 estados e no Território da Capital Federal, incluindo os três estados do nordeste que enfrentam o desafio da insurgência”, afirmou o presidente do organismo, Attahiru Jega.
Porém, “há áreas ocupadas por insurgentes e, obviamente, é lógico que as eleições não são suscetíveis de ocorrer nessas áreas”, concluiu.
Sónia Bexiga