Numa outra sede, citei uma frase do “Clube dos Poetas Mortos”: “Há um tempo para se ser audaz e outro para ser cauteloso e um homem prudente consegue distingui-los”.

Publicado o artigo, dei comigo a pensar qual seria a postura adequada para um mortal cidadão que vive num país que tem a crise ao virar da esquina mas pára para ver chegar um treinador de futebol. Daí que, acrescentei-lhe que, em qualquer dos momentos, a dignidade e o respeito, essencialmente por nós próprios, impõem que sejamos leais e correctos.

Fomos instados a assistir aos dois espectáculos deprimentes, um dos quais apresentando um (novo) Jesus como salvador da pátria encarnada e o outro imputando a Cristina Ferreira o papel de grande empreendedora e modelo a copiar. Das histórias de ambos, retive que, ao contrário do que aprendi, a palavra honrada não tem de ser cumprida e ainda há quem aplauda.

Os dois exemplos a que me refiro trataram de nos esfregar na cara que, tal como no famoso livro “Quem comeu o meu queijo”, o que compensa é ser mais astuto, ainda que desprezando os valores básicos e passando por cima seja de quem for, incluindo da nossa própria palavra. Para quem, como eu, considera que a sorte protege os audazes, importa que se esclareça que a audácia não se confunde com incumprimentos, e que os verdadeiros vencedores são-no apesar dos constrangimentos e sempre com respeito pela sua própria palavra.

Tal como Régio escreveu, não vou por aí. O sucesso não pode ser atingido a todo o preço.

O que se tem passado nos últimos dias apenas teve o condão de me fazer reflectir sobre a crise profundíssima de valores, não de uma geração, mas de várias. Vivemos num rectângulo, cuja aparição do sol tem o condão de tornar qualquer facto uma coisa normal desde que seja noticiado connosco com os pés na areia.

Num país onde todos os sinais de perigo estão aí, em que o número de desempregados aumenta (diga-se que por termos colocado todas as fichas no turismo) e em que os movimentos extremistas aproveitam um merecido descontentamento com os políticos do costume, a minha opção é ter os pés assentes na terra (ou na areia), não alinhar no discurso mais fácil e não me encantar por pretensas sereias.

Respeito tenho pelas pessoas que se levantam todos os dias às cinco da manhã para passarem o dia em limpezas e auferirem o ordenado mínimo. Respeito tenho pelos trabalhadores que, em época de Covid, se arriscaram para cuidar dos outros e assegurar que o essencial não faltava. Respeito tenho por todos aqueles que, podendo dar um qualquer golpe, escolheram não o fazer, ainda que com prejuízo seu.

O resto? O resto são histórias cor-de-rosa (ou encarnadas) que, habitualmente, começam bem nos ecrãs de televisão mas não costumam acabar bem na vida real.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.