A  semana passada abordei aqui uma reportagem da SIC referente ao caso-José Sócrates. Escrevi a meio, porque a reportagem prosseguiu no dia seguinte e eu não sabia. No final, devo admitir que errei na apreciação então formulada. Somando tudo, o trabalho estava completo e era profissional, competente. O que no primeiro dia me pareceu uma defesa do arguido, pelo acento tónico colocado na sua indignação face ao interrogatório, constitui-se num trabalho de investigação substantivo e equilibrado. Dignificou o jornalismo, além de desencadear a polémica sobre a utilização das imagens dos interrogatórios que a mim ainda hoje me parecem dispensáveis. Mas compreendo os argumentos e estarei nessa luta ao lado dos meus camaradas de profissão que entenderam o contrário na sua missão de informarem, correndo riscos pessoais e fazendo-os correr às suas empresas, tanto na SIC como na CMTV. Sei, por experiência própria, o que custa estar do lado da notícia contra o sistema politicamente correto que, na prática, protege os criminosos.
Volto, então, aos tais ‘jornalistas’ de que falava.
Vejo-os como cronistas, repórteres de coisas fúteis, pesquisadores de ‘fait-divers’ no Google, militantes de causas fracturantes, entrevistadores de amigos, comentadores de assuntos triviais. Alguns deles, bem conhecidos, fazem, até, carreiras sólidas perante os basbaques do sistema. Mas não são jornalistas, e sabem-no.
O caso-José Sócrates, paradigma maior do combate à corrupção em Portugal, é excelente para entendermos a fronteira entre ser jornalista e ser ‘aquilo’.
Os jornalistas arriscaram investigações no terreno, tentaram saber quais eram as acusações, incomodaram os protagonistas, não se acomodaram ao tempo da Justiça (que para tanto cobarde e incompetente é desculpa conveniente) e foram à procura de notícias para os leitores, mesmo que em algumas vezes tenha ficado claro que estavam a ir a reboque das fontes, como em certos momentos do ‘CM’. Mas concedo que, num processo destes, por motivos óbvios, seria difícil evitar erros.
Os ‘outros’ ficaram, como de costume, sentados nas cadeiras.
Paralisados pelo medo, pelas ligações que cultivam, pelas obediências, tornaram-se ventríloquos dos donos. Para eles, que são capazes de escrever lindos artigos sobre o que se passa lá longe, tudo o que se passa ao perto é um sofrimento.
É possível, olhando para o panorama dos OCS em Portugal, dizer que a maior parte dos jornalistas estão hoje concentrados em determinados grupos e títulos. Isso tem-se acentuado pelo controlo dos outros grupos por capital de origem indefinida, que estão na comunicação mas que não querem jornalismo. Aliás, pagam para que não haja jornalismo. Por isso, quem tem espinha e mercado desanda mal pode. Os ‘outros’ adaptam-se e engolem pomposas declarações, se necessário for com mais umas linhas bem alinhavadas.
É assim a vida.
E é assim que estamos.