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Perfil José Eduardo dos Santos: o presidente que liderou Angola 40 anos e que terminou com a guerra civil

O mais importante político da pós-independência a seguir a Agostinho Neto deixa um legado de modernização, as estruturas do Estado, mas também suspeitas de uma tentação autocrata que acabou por marcar até hoje o destino de um país que parece sempre adiado.
8 Julho 2022, 11h47

Ex-guerrilheiro, ex-presidente de Angola entre 1979 e 2017, o desaparecimento de José Eduardo dos Santos marca o fim do predomínio dos primeiros quadros do MPLA, constituído em 1958, sobre a política do país no antes e no depois da independência, em novembro de 1975.

João Lourenço, o atual presidente, tinha quatro anos à data da constituição do MPLA – e se Agostinho Neto será sempre recordado como a ‘alma’ da luta armada contra a ocupação portuguesa de Angola, Eduardo dos Santos foi a garantia de que o mais importante movimento político angolano dos tempos da guerrilha manteve a sua predominância política a seguir à independência. As primeiras sondagens para as eleições deste ano não são claras sobre se o MPLA continuará ou não a ser preponderante na vida política angolana, mas Eduardo dos Santos já entrou para os livros de história.

Nascido com o nome de nome de José Eduardo Van Dunem em Luanda em 28 de agosto de 1942, aderiu ao MPLA ainda enquanto estudante e, quando a luta armada começou, em fevereiro de 1961, passou a coordenar, no exílio (na República do Congo), a atividade da Juventude do MPLA, organismo de que foi um dos fundadores.

Um ano depois do início da luta armada, Eduardo dos Santos integrou o Exército Popular de Libertação de Angola (EPLA), braço armado do MPLA, e em 1963 foi o primeiro representante do movimento em Brazzaville, capital da República do Congo.

Em novembro do mesmo ano, beneficiou de uma bolsa de estudo para o Instituto de Petróleo e Gás de Bacu, na antiga União Soviética, tendo-se licenciado em Engenharia de Petróleos em junho de 1969. A sua ligação à União Soviética e o facto de ter integrado um esquema de formação de futuros altos quadros do comunismo internacionalista haveria de marcar a sua personalidade e os anos que decorreram em Angola a seguir à independência. Os estudos superiores oferecidos pela União Soviética a quadros futuros de África e da Ásia – mas também, talvez em menor escala, na América Latina – foi uma das âncoras da influência dos soviéticos nos países em vias de desenvolvimento (ou do terceiro Mundo, como entretanto foram chamados). A China tentou outro tanto, mas sempre com resultados mais sofríveis.

Em setembro de 1974, foi eleito membro do Comité Central e do Bureau Político do MPLA tendo passado a coordenar o Departamento de Relações Exteriores do movimento, naquele que seria o lugar certo para gerir relações futuras. Na sequência disso, e com a independência de Angola, Eduardo dos Santos foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros.

Foi nesse papel, que Eduardo dos Santos desempenhou funções que viriam a revelar-se fundamentais, tanto em termos das anteriores negociações com Portugal, como de consolidação do poder do MPLA no país e nas principais capitais do mundo. Nesse contexto, a sua ação foi também relevante ´no quadro da guerra civil que dizimou o país e colocou o MPLA em confronto com a UNITA e a FNLA. A presença de tropas cubanas em Angola ao longo de vários anos revelava o bom entendimento que Eduardo dos Santos mantinha com o regime de Fidel Castro.

Com a morte de Angola, Agostinho Neto, a 10 de setembro de 1979, José Eduardo dos Santos foi eleito presidente do MPLA e investido no dia seguinte nos cargos de presidente da República Popular de Angola e de comandante-em-chefe das FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola).

A guerra civil só acabou em Angola em 2002, depois da morte violenta de Jonas Savimbi, dirigente da UNITA e só então o país pôde dispor de todos os recursos que, sabia-se, estavam ao seu alcance, nomeadamente os naturais, como os diamantes e o petróleo. Para alguns, esses recursos foram um desastre para o país, uma vez que chamaram os mais diversos interesses estrangeiros para o interior das suas fronteiras – alguns deles verdadeiros abutres.

Foi também a partir da daí que Eduardo dos Santos desenvolveu alguns ‘tiques’ que se confundiam com as práticas tradicionais dos autocratas. Desde logo, recorde-se, em 2001 Eduardo dos Santos disse que não se candidataria novamente ao cargo de presidente – mas só 16 anos depois haveria de deixar de o ser. Nesses anos em que o petróleo começou a jorrar apressadamente do interior do solo para o interior dos bidões, os altos quadros do MPLA espalharam a sua influência pelos lugares mais politicamente mais importantes e financeiramente mais interessantes do país, transformando Angola, na visão de alguns, num país mancomunado por uma oligarquia que, no limite, continuava a mantê-lo eternamente adiado. O sonho de que Angola podia ser uma espécie de paraíso no sul do continente africano esfumou-se em pouco tempo. Em 2012, um desses amigos, Manuel Domingos Vicente, chegou a ser indicado como seu sucessor, mas tudo acabaria por não passar de mera intenção.

Depois veio o ‘rosário’ dos filhos – tem 10, de diferentes relações, sendo que Isabel dos Santos, a mais conhecida de toda a prole, foi a filha única do seu primeiro casamento, com Tatiana Kukanova, natural do Azerbaijão, ainda na União Soviética. Mas tudo isso só ficaria clamo muito mais tarde, quando – por uma razão que verdadeiramente se desconhece ou por simples erro de avaliação – Eduardo dos Santos escolheu João Lourenço para o substituir como candidato do MPLA à presidência. De então para cá, tanto os amigos como os filhos (os que assumiram maior destaque na economia e na gestão da coisa pública) foram paulatinamente caindo em desgraça no seio do regime angolano.

O caso de Isabel dos Santos, que já deu tantos livros à estampa e cujo filão por certo ainda não parou, será o mais paradigmático. O conflito entre João Lourenço e alguns dos filhos do seu antecessor teve início quase após a tomada de posse, em setembro de 2017, agravando-se com os processos em tribunal contra Isabel do Santos, ainda em curso, e Filomeno dos Santos, já julgado e condenado, mas aguardando recurso depois de ser condenado a uma pena de prisão no âmbito do caso que ficou conhecido como ‘500 milhões’.

Por seu lado, Tchizé dos Santos saiu do país em 2019 por alegadamente correr risco de vida, foi suspensa do comité central e acabou por perder também o seu mandato de deputada na bancada do MPLA. As duas filhas de José Eduardo dos Santos têm manifestado publicamente as suas divergências com o regime, afirmando serem vítimas de perseguição e acusando o governo angolano de usar a justiça de forma seletiva para atingir familiares e outras pessoas próximas do seu antecessor.

Neste contexto, ninguém deverá estar à espera que, para além do drama familiar, a morte do antigo presidente venha a ser um marco político no interior do regime angolano nem uma forma de suspender suspeitas entre os dois lados da ‘guerra’. Mas, para todos os efeitos, José Eduardo dos Santos garantiu um lugar na história ainda muito recente de Angola, sendo certo que nem todas as páginas dessa história serão de louvor à sua glória.

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