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José Eduardo dos Santos: uma saída por conveniência

Nomeação de João Lourenço bem recebida pelo MPLA. Fragilidade da economia, renovação do partido e herdeiros do regime poderão gerar tensões em ano de eleições.
9 Dezembro 2016, 05h47

Na última década, o debate sobre o futuro de Angola foi dominado por uma pergunta – quando e como é que José Eduardo dos Santos vai deixar a presidência? A resposta emergiu há uma semana e de forma fiel ao estilo ao qual o líder do MPLA nos habitou nos últimos 37 anos – críptica.

Nos dias antes da reunião do Comité Central do MPLA de 2 de dezembro, os rumores multiplicavam-se: João Lourenço, ministro da Defesa, ia ser nomeado cabeça de lista para as eleições de agosto próximo, abrindo caminho para Angola ter um novo presidente pela primeira vez desde 1979.

Mas num regime apelidado por alguns analistas de ‘criptocracia’, o secretismo impera. Eduardo dos Santos discursou no Comité, mas não falou sobre a sucessão, deixando a informação chegar aos media via ‘fugas’, confirmadas na rádio estatal por um deputado, e com o anúncio formal previsto para amanhã, nas celebrações do 60º aniversário do MPLA.

Apesar do anúncio a conta-gotas, a decisão está a ser bem recebida pelo partido, que deverá unir à volta de Lourenço, e também agradar aos parceiros internacionais, numa altura em que a economia continua a ser castigada pelos preços da principal exportação, o petróleo.

“Esta saída de cena, a um ano das eleições, é sobretudo fruto da conveniência – sua e do partido”, disse Paulo Guilherme, analista do Africa Monitor Intelligence. “Sua porque sabe que, num regime autocrático centrado em si ao longo de 37 anos, e aos 74 anos de idade, não tem já a capacidade e disponibilidade de conduzir a governação do país neste momento altamente complexo – política, diplomática e economicamente”.

Também devido a sistema “autocrático”, Eduardo dos Santos viu recair sobre si o ónus dos problemas económicos e sociais, e a sua popularidade ressentiu-se.

“Como tal, tornou-se da própria conveniência do MPLA a sua saída: a contestação social, fruto das carências sentidas pela população (desde divisas a acesso a hospitais e bens essenciais) levando o partido a acreditar que com ‘caras novas’ poderá ter um resultado mais favorável”, explicou o analista.

“Não observamos qualquer movimento colectivo organizado, ao nível do partido, no sentido da continuidade”, adiantou, salientando: “É notável até que algumas figuras do partido tenham confirmado que Eduardo dos Santos não será cabeça de lista, antes de o partido o fazer oficialmente”.

Menos presidencial?
Alex Vines, que chefia o ‘Africa Programme’ do prestigiado instituto britânico Chatham House, concordou que o momento difícil da economia angolana – que deverá crescer 1,1% este ano, um terço da expansão de 2015 – terá sido um fator. Os problemas de saúde do presidente, sempre negados oficialmente, terão também pesado.

“Acho muito significativo que Eduardo dos Santos não tenha ido a Cuba às cerimónias após a morte de Fidel Castro,” disse Vines, recordando que 5% da população dessa ilha combateu em na guerra civil angolana, ao lado do MPLA.
Este analista acredita que o fim da era de Eduardo dos Santos no Palácio da Cidade Alta deverá representar um atenuar do presidencialismo que tem definido o regime, especialmente após o fim da guerra em 2002.

“Isto sinaliza que Angola está a regressar a um padrão de política mais parecido com o dos outros países no sul de África, no qual os temas centrais são debatidos dentro do partido no poder”, frisou, dando os exemplos da SWAPO na Namíbia, da Frelimo moçambicana e do ANC sul-africano.

Vines prevê que Eduardo dos Santos deverá ficar na liderança do MPLA até 2018, com Lourenço a unir o partido para permitir uma “aterragem suave à reforma” para o actual presidente – visto por apoiantes como o ‘arquiteto da paz’, mas por críticos como tendo privilegiado uma elite, produzindo um país rico mas onde um terço da população vive na pobreza.

Enigma Isabel
Apoiado pelo pujante aparelho do MPLA, Lourenço é favorito para vencer as eleições de 2017, à frente da UNITA e da CASA-CE, mas a transição de poder enfrenta tensões.

“Há uma nova geração no MPLA, muitos deles filhos da elite formados no estrangeiro, que anseia por assumir cargos de governação que muitas vezes estão reservados, por critério de antiguidade, a personalidades de maior renome e com carreira políticas mais longas. Lourenço terá de gerir esta tensão”, alertou Paulo Guilherme, do Africa Monitor (ver mini-entrevista nas páginas seguintes).
Salientou que “há outra figura determinante” na economia do país – Isabel dos Santos, que lidera a Sonangol e está presente nos principais bancos, alguns dos quais controla, e empresas-chave como a Unitel, além de gerir as participações angolanas em empresas no estrangeiro, sobretudo em Portugal.

Alex Vines diz que os parceiros comerciais de Angola gostam de previsibilidade e portanto a nomeação de Lourenço deverá ser bem recebida.
Avisou, contudo, que “a indústria petrolífera angolana precisa de reformas sérias, pois a economia e o sistema neo-patrimonial do MPLA precisam de ‘rendas’ do crude para funcionarem. Esta é a pergunta importante e que não foi respondida pela antecipação da saída de Eduardo dos Santos para 2017”.

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