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Justiça aperta cerco a Michel Temer

Com Bolsonaro na presidência, inicia-se um novo ciclo na Justiça do Brasil. Sem impunidade presidencial, Temer pode ser o próximo ex-chefe de Estado brasileiro a sentar-se no banco dos reús.
  • Adriano Machado/Reuters
20 Janeiro 2019, 12h00

O Palácio do Planalto recebeu esta semana o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que deverá servir o país nos próximos quatro anos. A tomada de posse de Bolsonaro marca o fim do governo de Michel Temer e o início de um novo capítulo na história da justiça brasileira. Sem a impunidade política que o cargo de presidente lhe conferia, Temer vai enfrentar uma nova realidade jurídica e responder a, pelo menos, nove processos judiciais que têm estado parados nos tribunais e que o podem conduzir ao mesmo destino do antigo chefe de Estado do Brasil, Luiz  Lula da Silva.

Foram precisos menos de cinco minutos para Temer entregar a faixa verde e amarela a Bolsonaro na varanda do Palácio do Planalto, de frente para uma multidão de pessoas que se concentravam na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O momento simbólico, que marca a chegada de Bolsonaro ao poder, foi seguido por uma onda de exultação e contestação ao novo líder, adorado por muitos e odiado por outros em igual medida, mas Temer não ficou para ver. O ex-governante preferiu deixar o recinto de forma discreta, acompanhado pela mulher, Marcela Temer, recolhendo-se à sombra da impopularidade que caracterizou o seu mandato. Mas a ‘saída à francesa’ de Temer não impediu as vaias de se fazerem ouvir e lembrar que, com o cessar de funções, o agora ex-presidente não terá a vida facilitada no que toca à justiça.

Contra o ex-presidente brasileiro, pendem nove processos: quatro investigações em fase avançada e outros cinco novos inquéritos. A investigação a Temer começou em maio de 2017, depois de os diretores da multinacional do setor de carnes JBS terem firmado um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), no âmbito da Operação Lava Jato. Tendo em vista os benefícios judiciais concedidos por colaborarem na investigação criminal, o empresário Joesley Batista, sócio da JSB, entregou à Justiça uma gravação de aúdio, no qual o líder brasileiro da altura lhe confessava a prática de uma série de crimes, entre eles, a autorização do pagamento de subornos para comprar o silêncio do ex-deputado federal Eduardo Cunha, condenado a mais de 15 anos de prisão por envolvimento nos desvios da petrolífera estatal Petrobras. A Procuradoria-Geral da República considerou estarem reunidos indícios suficientes para avançar com uma queixa-crime contra Temer ao Supremo Tribunal Federal (STF), pelo crime de obstrução à Justiça.

A denúncia veio juntar-se ao parecer do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tinha pedido a manutenção da pena de prisão de Rodrigo Rocha Loures, ex-deputado e ex-assessor presidencial. Conhecido como “deputado da mala”, Rocha Loures foi filmado a carregar uma mala com 500 mil reais (cerca de 116 mil euros) em subornos pagos por Joesley Batista, que se destinavam a Temer, segundo a denúncia do procurador. O montante serviria para pagar a ajuda dada pelo ex-chefe de Estado à JBS em vários processos no Conselho Administrativo de Defesa Económica (Cade), onde queria intervido a favor da empresa de carnes.

As acusações caíram como uma bomba sob Temer, que apenas cinco dias antes de Joesley Batista abrir o livro à Justiça tinha comemorado o seu primeiro aniversário na presidência, e veio iniciar uma nova crise política no Brasil. Com esta denúncia, Temer tornou-se o primeiro presidente brasileiro, em exercício do mandato, a ser denunciado ao STF pela prática de corrupção passiva. O procurador ainda tentou afastar Temer do cargo para que pudesse ser julgado como um cidadão comum, mas as suas pretensões foram travadas pela Câmara de Deputados.

O mesmo aconteceu com a alegação, que consta na segunda denúncia, de que Temer seria o líder de uma organização criminosa, formada por vários membros do  Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que teria negociado subornos que causaram o desvio de pelo menos 587 milhões de reais (aproximadamente 153 milhões de euros) por meio de contratos firmados com órgãos e empresas públicas. Em ambos os processos, o então chefe de Estado conseguiu reunir o apoio de mais de um terço dos 513 deputados que compõem a câmara baixa do Congresso, o que lhe permitiu escapar impune à Justiça. No entanto, o Ministério Público Federal (MPF) pode vir a reativar estes processos, caso o entenda.

Às denúncias da Procuradoria-Geral da República veio recentemente juntar-se uma terceira, em dezembro do ano passado, quando faltavam pouco menos de duas semanas para o fim do mandato de Temer. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge – que  substituiu Janot em 2017 – veio denunciar formalmente o ex-presidente do Brasil ao STF pela prática de crimes de corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia foi feita no âmbito de um inquérito, aberto em setembro de 2017, ao alegado favorecimento do grupo Rodrimar, com o chamado “Decreto dos Portos”, assinado em maio de 2017 por Temer. A procuradora aponta para a existência de um “esquema antigo envolvendo o pagamento de vantagens indevidas a Temer” por meio do grupo Rodrimar.

Como esta última acusação formal foi apresentada muito perto do fim do mandato de Temer, a denúncia não chegou a ser analisada pelo Congresso, tal como prevê a Constituição do Brasil. Ao invés disso, a denúncia deve seguir para a Justiça Federal de Brasília, a quem caberá decidir sobre o processo. A denúncia deve depois ser reencaminhada para a primeira instância em fevereiro, após o fim da suspensão das atividades dos tribunais devido às férias de verão.

Na mira do MPF

A estas acusações somam-se seis inquéritos, onde o nome de Temer aparece associado a vários delitos. No início de setembro de 2018, o então presidente foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, num inquérito que investiga um alegado esquema de financiamento ilícito da campanha  do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) pela empreiteira Odebrecht. Os factos terão ocorrido em 2014, antes de Temer tomar posse como presidente, pelo que a procuradora-geral da República solicitou a suspensão temporária o processo. Isto porque a Constituição brasileira proíbe que um presidente em funções – como era o caso de Temer na altura – seja denunciado por atos anteriores ao mandato. Agora que já não é presidente, esta será mais uma dor de cabeça para o emedebista.

O último mês do ano trouxe mais uma mão cheia de inquéritos em que Temer será investigado. Desses cinco inquéritos, três envolvem a empresa Argeplan Arquitetura e Engenharia, que também aparece no processo dos portos como alegada intermediária no pagamento de subornos. A procuradora-geral da República acredita que a Argeplan pertence, na verdade, ao ex-presidente. A empresa terá ganho um forte impulso na década de 1980, com contratos de consultoria com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, numa altura em que Temer era o titular da pasta. Em dois inquéritos lançados por Dodge, o ex-presidente aparece como suspeito de ter favorecido a empresa com contratos milionários. A acusação, que reúne provas desde 1998, aponta para movimentações indevidas de dinheiro em torno dos 32,6 milhões de reais (7 milhões de euros).

Há ainda um outro inquérito, que pode vir a ser aberto, que envolve uma das filhas de ex-líder brasileiro, Maristela Temer, e a mulher do seu amigo de longa data, o coronel João Baptista Lima Filho, num esquema de lavagem de dinheiro. O MPF acredita que Maristela terá pago, pelo menos, um milhão de reais (mais 230 mil euros) à mulher do coronel, Maria Rita Fratezi, a pedido de Temer, sob a pretensão de que estaria a pagar obras em casa, que terão durado desde 2013 até 2015.

Embora não seja ainda réu em nenhuma das acusações que lhe são apontadas, Temer pode vir a responder pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de justiça, caso o STF venha a aceitar as denúncias. Se for condenado, Temer será o segundo presidente brasileiro a enfrentar a possibilidade de ser preso, tal como aconteceu com Lula da Silva, em abril do ano passado. Nesse caso, o antigo deputado federal do MDB perde os direitos políticos e tornar-se inelegível, ao abrigo da lei da Ficha Limpa. Temer pode, contudo, contar com uma eventual atenuação da pena em 1/6, tendo em conta a sua idade avançada (atualmente tem 78 anos).

Artigo publicado na edição nº1970, de 4 de janeiro, do Jornal Económico

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