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Laginha de Sousa defende a tributação do carbono para alinhar os incentivos privados com os objetivos sociais

Numa intervenção nas ESG Talks, o ainda administrador do Banco de Portugal e futuro presidente da CMVM, Luís Laginha de Sousa, citou um estudo recente da consultora McKinsey, que constata que mais de 90% das empresas do S&P 500 publicam atualmente algum tipo de relatório sobre sustentabilidade ESG. 
23 Setembro 2022, 07h27

Numa intervenção nas ESG Talks, uma iniciativa Novobanco/Visão/Exame, o ainda administrador do Banco de Portugal e futuro presidente da CMVM, Luís Laginha de Sousa, citou um estudo recente da consultora McKinsey, que constata que mais de 90% das empresas do S&P 500 publicam atualmente algum tipo de relatório sobre sustentabilidade ESG.

No caso do Russell 1000, que é um índice mais abrangente do que o S&P 500, a percentagem de empresas que publicam o mesmo tipo de relatório, apesar de mais baixa, continua ainda assim a ser uns expressivos 70%, disse.

“Estes valores são verificados num contexto em que as notícias que nos vão chegando dos EUA apontam para aquilo que parece ser um aumento da resistência ao avanço das preocupações ESG”, refere Laginha de Sousa.

O administrador do BdP salientou que “o futuro comum está intimamente ligado à sustentabilidade”.

“Mas, como disse recentemente o Secretário Geral da ONU, estamos todos, neste preciso momento, confrontados com uma escolha entre a ação coletiva e o suicídio coletivo”,  acrescentou para explicar que “vou focar-me sobretudo no fenómeno das alterações climáticas, não apenas pelo que já hoje representa, mas também pelo que pode vir ainda a representar, dada a magnitude e premência das suas implicações”.

Começando, então, pelo desafio climático, “trata-se de um desafio cuja caraterização se tornou largamente consensual e inclui vários elementos”, disse.

Luís Laginha de Sousa abordou ainda o contributo que caberá aos bancos centrais prestar nessa mesma resposta global ao desafio climático.

“A encabeçar a lista de elementos vem o aumento da temperatura média global, aumento esse que vai já em 1,1 °C, desde o início da era industrial. Outro elemento é o reconhecimento de que se trata de um aumento provocado essencialmente pela humanidade, através da emissão de gases com efeito de estufa — sobretudo de dióxido de carbono.  De acordo com um recente relatório das Nações Unidas sobre o clima, mais de 90% desses 1,1 °C terão tido origem humana. Um aumento que, também segundo a ONU, poderá atingir 2,7 °C até ao final do século, caso não haja capacidade de ir além dos compromissos atualmente assumidos pelos países. O último elemento desta caraterização do desafio climático é o compromisso no sentido de que o aumento da temperatura média global não deveria ultrapassar 1,5 °C – ou, quando muito, 2 °C — conforme estipulado no Acordo de Paris de 2015”, refere o administrador do BdP.

“Fracassar neste último propósito, ou ficar longe de concretizar estas metas, significaria, com elevada probabilidade, sujeitar a humanidade e o planeta a consequências de uma gravidade que não é possível antever com rigor”, disse.

O futuro presidente da CMVM defende a tributação do carbono, para alinhar os incentivos privados com os objetivos sociais. “A este respeito, o FMI estimou recentemente que seria necessário aumentar o custo médio das emissões de CO2, a nível global, dos atuais 6 dólares por tonelada para 75 dólares por tonelada até 2030. (Estes 6 dólares levam em conta todos os subsídios aos produtos petrolíferos que existem à escala global). Notem que o sistema de emissões da União Europeia — que cobre cerca de 45% das suas emissões totais — chegou a atingir valores próximos de 100 euros por tonelada de CO2 em agosto passado, rondando agora os 70 euros por tonelada”.

Para fomentar a inovação verde considera necessária a concessão de subsídios públicos e defende que o financiamento tem de ser assegurado por uma combinação de capital e dívida. “Por um lado, os investimentos verdes têm um conjunto de caraterísticas que favorecem o recurso a capital de risco, a equity, e a financiamentos mistos, dado que geralmente implicam elevados investimentos em I&D (por natureza relativamente arriscados), são altamente intensivos em capital e têm um período de retorno longo”, disse Laginha de Sousa.

Por outro lado, “as principais instituições internacionais de referência divulgaram estimativas dos volumes globais de investimento que seriam necessários para viabilizar a transição energética e, assim, serem atingidas as metas climáticas. Essas estimativas oscilam entre 3 e 6 biliões de dólares anuais até 2050, ou seja, aproximadamente 3 a 6% do PIB mundial.  Notem que são biliões portugueses, ou seja milhões de milhões, equivalentes aos triliões americanos”, salientou.

“Mobilizar, de forma continuada, valores anuais desta ordem requer obviamente o envolvimento do sector privado e, em particular, do sistema financeiro”, defende.

O administrador do BdP referiu-se a três fatores  — tributação do carbono, subsídios públicos à inovação verde, e complementaridade entre financiamento próprio e endividamento — que “têm em comum a particularidade de estarem todos enquadrados, de uma forma ou de outra, no âmbito das políticas governamentais, ou seja, para lidar com a crise climática, os instrumentos mais eficazes — mais uma vez, do ponto de vista teórico — estão todos na ‘caixa de ferramentas’ das políticas públicas dos decisores governamentais”.

Luís Laginha de Sousa diz que, “contrariamente ao que se possa querer, por vezes, fazer parecer, os instrumentos mais adequados não estão, neste caso, na “caixa de ferramentas” dos bancos centrais, nem na dos supervisores financeiros. Com isto que acabei de dizer, e aplicando uma expressão popular, não estou a querer, de forma alguma, sacudir a água do capote”.

O facto de as políticas públicas serem os instrumentos mais eficazes “não significa que os bancos centrais e os supervisores financeiros sejam meros espetadores ou treinadores de bancada, no que diz respeito à mobilização geral para dar resposta à crise climática”, frisou.

“Um primeiro grande domínio — o principal — em que os bancos centrais e os supervisores financeiros podem e devem dar um contributo para a ação climática parece, à primeira vista, um anticlímax, e utilizo esta expressão porque se trata simplesmente de assegurar a boa execução do seu mandato quanto à preservação da estabilidade de preços e da estabilidade do sistema financeiro”, disse.

Mas a verdade é que “esses dois objetivos dos bancos centrais e supervisores financeiros são hoje definidos de uma forma que efetivamente incorpora considerações climáticas, quer nas políticas que lhes compete definir, quer nas estruturas de decisão”.

A título de exemplo, e olhando para o Eurosistema, de que o Banco de Portugal faz parte, o BCE divulgou em julho a sua agenda climática de 2022. Nessa agenda, o BCE reconhece — mais uma vez, aliás — que as alterações climáticas e a transição energética afetam o objetivo de manutenção da estabilidade de preços, pelo seu impacto quer na economia quer no perfil de risco e no valor dos ativos do seu balanço, ativos esses que contribuem para a condução da política monetária.

No que diz respeito à estabilidade financeira, “outro grande objetivo dos mandatos dos bancos centrais, o Mecanismo Único de Supervisão — que é o ‘braço armado’ do BCE para a supervisão dos bancos da área do euro — já há vários anos que inclui os riscos climáticos e ambientais entre os principais riscos para a estabilidade financeira que lhe compete acompanhar de perto”, lembra Laginha de Sousa que reforça que a mesma entidade voltou a incluí-los nas suas prioridades de supervisão para 2022–2024.

“Um primeiro objetivo é compreender melhor os riscos associados às alterações climáticas”, referiu acrescentando que “um segundo objetivo é avaliar a exposição e a resiliência do sistema bancário a estes riscos. Trata-se de uma tarefa à qual o BdP se vem dedicando com regularidade”.

Por fim, há um terceiro objetivo, “que é o de adequar os instrumentos e as políticas de supervisão para promover a resiliência do setor financeiro ao longo do processo de transição energética”. S obre este objetivo, diz Laginha de Sousa, “justifica-se uma nota complementar para realçar que, no ano passado, o Banco de Portugal publicou aquelas que são as suas expetativas de supervisão sobre riscos climáticos e ambientais”.

A publicação destas expetativas tem como propósito tornar mais claro, para as entidades supervisionadas, como é que o BdP, enquanto supervisor, espera que essas entidades atuem em relação a este tema.

Há ainda um conjunto de outros domínios importantes em que os bancos centrais também podem desenvolver — e estão a desenvolver — iniciativas relevantes do ponto de vista climático. Um desses domínios “é a incorporação de orientações climáticas na gestão das suas carteiras de ativos próprios”.

“Os bancos centrais podem aqui liderar pelo exemplo, uma vez que os seus balanços não são propriamente uma gota de água no oceano. O balanço do Banco de Portugal, por exemplo, é superior a 200 mil milhões de euros.  E o BdP divulgou, em maio passado, uma Carta de Princípios de Investimento Responsável”, refere Laginha de Sousa.

“Um outro domínio de ação climática dos bancos centrais é a redução da sua própria pegada ecológica enquanto organizações, em que podem igualmente liderar pelo exemplo”, lembrou. Laginha de Sousa deu como exemplo “o processo de fabrico de notas até à adesão ao Compromisso Lisboa Verde, com metas, que estamos a cumprir, em diversas vertentes de descarbonização e responsabilidade ambiental”.

Um terceiro domínio ainda de atuação dos bancos centrais na esfera climática “tem que ver com a sensibilização dos decisores políticos — mas também da sociedade em geral — para as questões do clima”.

“Estamos a incorporar elementos climáticos e ambientais no esforço nacional de literacia financeira, para o qual temos tradicionalmente prestado o nosso contributo”, refere o também futuro presidente da CMVM.

 

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