O único debate televisivo entre os partidos candidatos às próximas eleições legislativas confirmou a tentativa de bipolarização entre PS e PSD, mas acabou com a certeza de que não há garantias de governabilidade a seguir a 30 de janeiro, não havendo maioria absoluta, mesmo que a maioria manifeste disponibilidade para negociar.
Questionado pelo moderador do debate transmitido pela RTP1 e RTP3 no segundo dia de campanha eleitoral, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, acabou por apontar a uma maioria absoluta, mas demonstrou disponibilidade para “dialogar com todos os partidos”, mesmo depois de apontar a falta de “vontade política” que os seus parceiros de “geringonça”, BE e PCP, para aprovarem o orçamento do Estado para 2022, o que resultou, em última análise, na dissolução do Parlamento.
A mesma linha negocial foi prometida pela maioria dos participantes. “No dia a seguir às eleições vamos estar a debater um contrato [para a governação]”, garantiu Catarina Martins, coordenadora do BE; “Estamos disponíveis para convergir com todos os que tenhamos de convergir”, disse João Oliveira, líder parlamentar do PCP e cabeça de lista da coligação pelo círculo eleitoral de Évora, que neste debate substituiu Jerónimo de Sousa, ainda a recuperar de uma operação.
À direita, Rui Rio, que insistiu na bipolarização, tal como o secretário-geral do PS, dizendo que a escolha, no dia 30, é entre ele e Costa, reafirmou a “disponibilidade para negociar”, se não conquistar uma maioria absoluta, mas que pretende reciprocidade, numa referência à posição do PS.
Disse, ainda, acreditar que a diferença entre PS e PSD não será grande.
O presidente do Chega, André Ventura, afirmou que o partido quer “contribuir para uma alternativa de direita” e disse, mesmo, que, confirmando-se uma votação superior a 7%, como indicam algumas sondagens, exigirá fazer parte de um Governo. João Cotrim de Figueiredo, presidente da Iniciativa Liberal (IL), afirmou que já demonstrou disponibilidade para falar com o PSD e frisou que a IL poderá acrescentar algo aos social-democratas. “Pode-lhe faltar o ímpeto reformista”, atirou.
Num debate em que António Costa acabou por ser o principal alvo, tanto o CDS-PP, presidido por Francisco Rodrigues dos Santos, como o PAN, que tem Inês Sousa Real como porta-voz, manifestaram-se contra o bloco central, mas ficou por aqui a concordância, porque ambos recusam participar numa solução onde o outro esteja. O PAN rejeita participar num governo que permitisse “retrocessos civilizacionais”, aludindo, por exemplo, à tourada, que quer ver abolida, enquanto CDS-PP recusa conversar com o um partido que acusa de ser “animalista radical”.
Por fim, Rui Tavares, cabeça de lista do Livre por Lisboa, garantiu que procurará ajudar a garantir uma governabilidade. “Se houver maioria à esquerda faremos parte da solução, se houver maioria à direita, Livre fará parte da solução”, garantiu.
Todos pela redução de impostos
A governabilidade acabou por ser o tema mais importante do debate, mas o crescimento económico – abordado num sentido lato, incluindo a política fiscal ou o aumento da pobreza – e a saúde foram, também, discutidos, fixando-se os diferentes projetos propostos, ainda que todos concordem, por exemplo, na necessidade de redução dos impostos, para empresas ou particulares.
Rui Rio voltou a defender uma aposta, primeiro, na redução dos impostos sobre as empresas e só depois para o IRS. “Se for primeiro o IRS é fomentar mais do mesmo. É fomentar a distribuição sem cuidar da produção”, afirmou.
Questionado, recusou cortes nas pensões e garantiu aumentos para os funcionários públicos em função da inflação e ganhos de produtividade.
Catarina Martins, que foi a primeira a falar sobre o tema do crescimento económico, admitiu a redução dos impostos sobre o rendimento das pessoas. “Acreditamos que é possível reduzir o IRS de quem vive do seu salário”, disse, mas defendeu o crescimento dos salários como a principal variável para o crescimento, como o fez João Oliveira, que justificou com o maior crescimento que existiu nos últimos seis anos.
Numa fase em que foi criticado, especialmente à direita, António Costa enalteceu o crescimento económico durante o seu consulado. “Entre 2016 e 2019, economia cresceu sete vezes mais do que nos 15 anos anteriores”, disse afirmando que a ambição é acelerar esse crescimento, porque, agora, há recursos por causa do acesso a fundos europeus – o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e fundos estruturais –, mas também um “sistema científico mais robusto” e mais próximo das empresas e uma força laboral mais qualificada.
Mas não respondeu ao porquê de a economia portuguesa ter sido ultrapassada pelas de diversos países, tornando-se alvo do CDS-PP, Chega e IL. André Ventura culpou o PS pela economia nacional ter sido ultrapassada por outros Estados-membros da União Europeia e apontou o dedo à fiscalidade. “A classe média paga 35% de imposto. É um roubo”, acusou.
No final, acabou por ser João Oliveira a responder à pergunta inicial, de como a economia tinha sido ultrapassada. “Fomos ultrapassados porque deixámos de produzir. Ficámos dependentes de outros”, disse. “Deixámos de produzir e passámos a comprar a outros”, sublinhou.
Saúde pública e privada, ou não
Na saúde, notou-se mais a diferença entre esquerda e direita, com os primeiros a defenderem mais o Serviço Nacional de Saúde (SNS), enquanto os segundos a proporem um sistema que conjuga o público com o privado.
Rui Rio afirmou que o SNS deve ser “tendencialmente gratuito” e funcionar em complementaridade com o sector privado, aumentando a capacidade do sistema e a possibilidade de escolha dos cidadãos. É acompanhado nestas ideias, ainda com nuances, por Rodrigues dos Santos, André Ventura e por Cotrim Figueiredo. “Queremos que passe a ser possível acederem a um sistema de saúde e não uma lista de espera”, afirmou o presidente da IL.
Do outro lado do espectro, António Costa referiu que é preciso continuar o caminho que já foi iniciado, reforçar o SNS e “aplicar a parceria que temos com o sector social” com as instituições particulares de solidariedade social. “[É preciso] tornar mais atrativa a carreira de medicina geral com incentivos nas zonas mais carenciadas”, defendeu.
João Oliveira também defendeu a valorização dos serviços públicos e avisou para a necessidade de o Estado ser mais competitivo. “Se não houver medidas de incentivo vamos assistir de uma forma dramática ao desmantelamento do SNS”, disse, numa ideia que é subscrita pelo BE. Segundo Catarina Martins o SNS tem “médicos, enfermeiros e técnicos superiores de Saúde” que não têm “condições para trabalhar no SNS”.
Rui Tavares, líder do Livre, aponta para um SNS que precisa ser reforçado “criando novas valências”.
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