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Lei das pensões que o Governo admite mudar só funcionou três vezes em 15 anos

Atualização automática das pensões esteve suspensa entre 2010 e 2015 e foi complementada com aumentos extraordinários entre 2017 e 2022. Governo admite revê-la para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social.
30 Setembro 2022, 00h31

Com a inflação em máximos, o Governo resolveu antecipar para outubro uma parte da atualização das pensões que estava prevista para janeiro, mas, em contrapartida, anunciou a limitação dos aumentos que serão dados no arranque do próximo ano, travando, assim, a aplicação plena da fórmula prevista na legislação. Em década e meia, esse mecanismo de atualização automática das pensões funcionou de forma eficaz, apenas, “num número reduzido de anos”, salienta Anabela Silva, partner da EY. E o Executivo admite agora revê-lo para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social.

De acordo com a lei, é a evolução da economia em conjunto com a trajetória dos preços que, anualmente, devem orientar a atualização das pensões. Esse mecanismo começou a ser aplicado em 2008, mas acabou por ser suspenso pouco depois. Entre 2010 e 2015, não houve, assim, atualizações automáticas das pensões. Já em 2016, com António Costa na liderança do Governo, o mecanismo foi reposto, mas logo depois – a partir de 2017 – passou a ser complementado por aumentos extraordinários dirigidos às pensões mais baixas. Em 2023, não haverá atualizações suplementares, mas a fórmula voltará a não ser aplicada em pleno, já que o Governo decidiu limitá-la, em resposta ao agravamento da inflação. Resultado? “A fórmula de atualização das pensões atualmente em vigor apenas foi aplicada de forma integral num número reduzido de anos desde a sua entrada em vigor”, destaca Anabela Silva.

Pensão de mil euros “perde” mais de 370 euros líquidos
Caso fosse aplicada de forma plena a fórmula legal, as pensões subiriam de forma automática entre 7,1% e 8% em janeiro de 2023, segundo as estimativas do Governo. Não é isso, contudo, que acontecerá. A proposta apresentada e aprovada no Parlamento determina que, afinal, as pensões vão subir no arranque do próximo ano entre 3,53% e 4,43%. As simulações feitas pela EY para o Jornal Económico mostram como essa medida irá fazer encolher os rendimentos líquidos dos pensionistas.

No caso de uma pensão de 705 euros mensais, o próximo ano será sinónimo de uma subida para 736,23 euros. Sem o travão anunciado pelo Governo, essa mesma pensão aumentaria para 761,40 euros em janeiro, o que significa que, em termos brutos, o pensionista receberá menos 25 euros por mês do que poderia ganhar, se a fórmula fosse aplicada de forma plena. Já em termos líquidos, a EY estima que, sem a limitação das atualizações, o pensionista que hoje recebe 705 euros por mês veria os seus rendimentos subirem em 89 euros, no conjunto do ano de 2023. Com o travão anunciado pelo Governo, o rendimento desse pensionista descontado de IRS será, contudo, igual ao de 2022, “atendendo à regra do mínimo de existência”. “Na prática, o pensionista não verá o seu rendimento disponível aumentado”, explica Anabela Silva, que salienta que o Governo já sinalizou que poderá mudar essas regras fiscais, mas até ao momento nada foi feito.

Num outro exemplo, uma pensão de mil euros mensais subiria, em termos brutos, para 1.076,40 euros mensais em 2023, se a fórmula fosse aplicada sem tetos. Em janeiro, esse pensionista verá, contudo, a sua pensão crescer para 1.040,7 euros mensais. Ou seja, todos os meses, receberá menos 35,7 euros do que poderia ganhar. Em termos líquidos, no conjunto do ano, esse pensionista poderia ver os seus rendimentos subirem em 815,57 euros, mas não é isso que acontecerá. A EY aponta, antes, para um salto de 438,75 euros, o que significa que esse pensionista “perderá” mais de 370 euros em 2023 face ao que poderia ganhar, se a fórmula legal fosse respeitada.

É importante notar que a limitação à atualização regular das pensões teve como contrapartida a atribuição de um suplemento já em outubro, que equivale a meio mês de pensão. A EY calcula que, em termos líquidos, essa medida não resultará em qualquer subida dos rendimentos de 2022 do pensionista de 705 euros mensais. Já no caso da pensão de mil euros, o cheque de outubro resultará num aumento de 385 euros do rendimento líquido deste ano, acima do que esse pensionista perderá pela limitação da atualização regular em 2023.

Em ambos os casos, as atualizações a partir de 2024 poderão sair prejudicadas. Conforme sublinha a Anabela Silva, para 2024, o Governo “ainda não avançou dados concretos sobre a atualização das pensões”, mas, se nada for alterado, a limitação das subidas de janeiro de 2023 vai traduzir-se “numa diminuição da atualização do valor das pensões”, uma vez que a base de cálculo será inferior à que resultaria da aplicação plena do mecanismo consagrado na lei. A ministra do Trabalho já abriu, além disso, a porta a uma revisão da fórmula legal, pelo que tudo está em aberto quanto a 2024.

1% do PIB em apoios
Estas medidas ligadas às pensões inserem-se no pacote “Famílias Primeiro”, que custará 2,4 mil milhões de euros ao Estado. “O equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB)”, realça Anabela Silva.

Desse pacote, consta também a redução para 6% da taxa atual de 13% do IVA sobre a eletricidade – valor que incide sobre os primeiros 100 kWh de energia elétrica consumidos em cada mês, desde que a potência contratada não supere os 6,9 kVA (ver texto ao lado). E ainda a atribuição de um cheque de 125 euros aos cidadãos não pensionistas e um apoio de 50 euros por cada dependente menor de 24 anos (inclusive). “Poderá questionar-se se esta medida deveria deixar de fora os agregados familiares com mais rendimentos. Contudo, importa lembrar que estas famílias já não são abrangidas pelo apoio de 125 euros a cada cidadão elegível e têm limitações ao nível das deduções à coleta”, salienta a fiscalista da EY.

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