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Lesados da PT: “Mecanismo de arbitragem da CMVM deixa-nos num papel de fragilidade”

A associação que representa os lesados da extinta PT/Oi tem a decorrer uma petição que pretende levar, em breve, ao Parlamento com o objetivo de ser criado um tribunal arbitral especializado e um provedor do investidor. Por entender que a ação da CMVM na intermediação de conflito entre investidores lesados e banca não funciona, os lesados da PT/Oi venha a legislar em prol de um centro de arbitragem para “agilizar a justiça no campo financeiro”.
  • Cristina Bernardo
4 Fevereiro 2020, 07h55

A Associação de Lesados em Obrigações e Produtos Estruturados (ALOPE), que representa os lesado da Portugal Telecom (PT)/Oi, tem a decorrer uma petição que pretende colocar a Assembleia da República (AR) a discutir a criação de um tribunal arbitral especial para lesados com a banca e a instituição de um provedor do investimento, porque “a mediação existente em Portugal, nomeadamente a disponibilizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), não funciona”, explica ao Jornal Económico o presidente da associação, Francisco Mateus, esta terça-feira.

Com cerca de 700 associados, a ALOPE representa quem não foi reembolsado pelo investimento feito em produtos ligados à dívida da extinta PT, aquando do colapso do BES e consequente fusão da empresa com a brasileira Oi, em 2014. Desde 2018 que a associação tem avançado com ações contra os bancos que venderam produtos financeiros complexos [Credit Link Notes (CLN)], e em janeiro de 2019 procurou negociar com intermediação da CMVM, mas sem sucesso.

“Os bancos negaram-nos qualquer tipo de acordo ou negociação extrajudicial. Em janeiro [de 2019] solicitamos aos bancos abrir uma mesa de negociação, mas andaram a empatar, a dar-nos trabalho, para depois, no fim, indeferir todos os pedidos de mediação, porque não são obrigados a tal”, conta Francisco Mateus em declarações ao JE. A ALOPE avançou, por isso, com uma petição cujo objetivo é colocar o Parlamento a debater a criação de um tribunal arbitral especial e a figura do provedor do investimento.

“Este tribunal especializado [proposto na petição] nem precisava de existir se a CMVM dotasse de mecanismos que fossem eficazes”. Francisco Mateus diz que a relação entre a ALOPE e a CMVM está “quebrada” e admite que a petição “coloca em causa o trabalho” do regulador dos mercados. Mas outro caminho não foi possível, visto que “oferece uma série de mecanismos inócuos que não servem para nada e jogam [os investidores] no campo do obscuro”.

A ALOPE quer “unir os partidos da AR” na aprovação de um projeto de resolução que permitirá criar um centro de arbitragem legal cuja ação resolva litígios dos lesados com a banca. A referida petição precisa de quatro mil subscritores para chegar ao Parlamento (à hora da redação deste artigo contava com 3.140 subscritores).

Francisco Mateus aponta, ainda, que os dois mecanismos extrajudiciais propostas não se destinariam apenas ao caso dos lesados da PT/Oi. “Poderá não só ajudar os lesados da PT/Oi, mas também agilizar a justiça no campo financeiro, porque não há mecanismos para facilitar a resolução deste tipo de litígios em Portugal”, argumenta.

“Queremos de uma forma profilática evitar futuros problemas. E o mesmo queremos com a figura do provedor do investimento, porque caso continuem a existir problemas temos o caminho dos canais arbitrais especializados”, conta o dirigente da ALOPE.

Mas esse papel de árbitro não funciona hoje na CMVM? Francisco Mateus indica que não, considerando que há um processo de arbitragem na CMVM à disposição dos lesados, mas esse é apenas um mecanismo de “persuasão moral voluntária”. Para Francisco Mateus a mediação que envolva instituições financeiras tem de ser obrigatória e não voluntária.

O dirigente da ALOPE considera que “a lei não é objetiva” e que os juízes “não têm conhecimento de causa sobre estes mecanismos financeiros” e, por isso, “com um tribunal especializado tal deixaria de acontecer”.

“Se os lesados do Banif ou do BES-Venezuela tiveram acesso a um tribunal arbitral porque é que nos haveriam de vedar a nós esse mecanismo? Não faz sentido”, considera.

Ao JE, Francisco Mateus revela que a ALOPE já tem acordo com uma “entidade idónea” para presidir o tribunal arbitral especial. “No caso dos lesados do Banif e do BES-Venezuela, quem presidiu a um tribunal do mesmo género foi a Ordem dos Advogados. No nosso caso, trata-se de uma entidade privada que o vai fazer, mas ainda não está nada formalizado por escrito”, diz.

Será também essa entidade que irá ao Parlamento, juntamente com a direção da ALOPE, defender a referida petição na Comissão de Orçamento e Finanças.

Outro ponto da petição da ALOPE é a criação da figura do provedor do investimento, que também não se restringiria ao caso dos lesados da PT/Oi. O provedor do investimento trabalharia articulado com a CMVM e teria como função primordial informar os investidores sobre o que devem fazer em caso de conflito com os bancos. Neste ponto Francisco Mateus admite um trabalho mais aprofundado para que se crie o provedor do investimento.

“É evidente que a figura do provedor do investimento requer mais trabalho, requer tempo e um estudo prévio. Não digo que isso seja feito a curto prazo”, diz.

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