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“Levantar patentes não resolve todos os problemas das vacinas”

A advogada Sónia Queiróz Vaz, sócia da Cuatrecasas da área de Propriedade Intelectual e TMT, alerta para as implicações de uma potencial facilitação do licenciamento obrigatório para uso de patentes na União Europeia.
10 Setembro 2022, 20h00

Qual a sua opinião sobre o facto de a Comissão Europeia ter lançado uma nova consulta pública, que decorre até ao final deste mês, sobre o licenciamento obrigatório para a utilização de uma patente em casos de emergência?
É juridicamente possível fazê-lo (as chamadas licenças compulsórias/obrigatórias). Não há notícia de precedentes significativos em Portugal. Estão legalmente previstas as situações limitadas em que podem ocorrer: interesse público é uma delas, bem como patentes respeitantes ao fabrico de produtos farmacêuticos destinados a exportação para países com problemas de saúde pública. Justificam-se pela existência de uma necessidade social imperiosa de incrementar ou generalizar a exploração de uma invenção ou melhorar as condições de exploração – para maior eficiência da produção – mas a licença tem de ser de primordial importância para a saúde pública e o objetivo não se pode conseguir alcançar de forma menos gravosa – vigora um princípio da proporcionalidade. É necessário tentar obter primeiro uma licença voluntária para utilização da patente de invenção, através de uma negociação conduzida de forma séria e diligente, junto do potencial licenciatário, com condições comerciais justas, num prazo razoável. Uma das dificuldades avançadas para a sua imposição é o cálculo do valor adequado para a licença, sendo certo que o “valor de mercado” é sempre devido, pois estas licenças obrigatórias têm carácter oneroso.

Daí Bruxelas estar a estudar uma uniformização desta legislação entre os 27 países?
Seria vantajoso a Comissão Europeia ajudar a clarificar critérios para este cálculo. Posteriormente, podem ser revogadas, se os factos que lhe deram origem deixarem de existir. Põe um pouco em causa a própria natureza dos direitos de PI que protegem invenções e faz diminuir a confiança no sistema de patentes. A imposição de licenças obrigatórias/compulsórios pode ter consequências económico-sociais e estratégicas adversas (por exemplo, as farmacêuticas que se veem subtraídas nos seus direitos de PI num determinado estado, vão provavelmente cortar relações de fornecimento ou parceria com esses estados). Do ponto de vista político e estratégico, é “marcar posição” face ao lobby da indústria farmacêutica, mas qual o preço? A OMS mostrou-se favorável à implementação destas licenças compulsórias. Interesses políticos? As soluções relacionadas com o levantamento das patentes e dos direitos de PI poderão não resolver todos os problemas relacionados com a produção, por exemplo, de vacinas e medicamentos em geral. O processo e o local de fabrico de uma vacina estão sujeitos ao cumprimento de requisitos muito exigentes. Apesar de terem sido flexibilizadas algumas das regras para se efetuarem as alterações necessárias ao fabrico de medicamentos para evitar disrupções na cadeia de fornecimento de medicamentos relacionados, por exemplo, com a Covid-19 (em particular as vacinas), a verdade é que ainda são processos morosos e complexos de um ponto de vista técnico.

Em Portugal, sente que há um esforço de investimento na Propriedade Industrial?
Sem prejuízo do caminho que temos pela frente, têm sido divulgados dados estatísticos muito animadores sobre a importância destes direitos no panorama atual, à escala global, demonstrativos de um investimento crescente em termos de inovação, empreendedorismo, investigação e desenvolvimento, em diversos sectores de atividade e, ao mesmo tempo, de uma maior consciencialização sobre a importância de proteger as nossas criações. Em 2021, os pedidos de patentes oriundos de Portugal junto do European Patent Office cresceram 13,9%, sendo avançado como o crescimento mais forte na Europa, de entre os países com mais de 200 pedidos de patentes e mais de cinco vezes a taxa média da UE de 2,7%. Cinco dos dez maiores requerentes de patentes portugueses são universidades ou institutos de investigação, como a Universidade do Minho, do Porto, o Politécnico de Leiria, a Universidade de Aveiro, sendo a startup portuguesa Feedzai avançada como a entidade que liderou este ranking, com mais de 17 pedidos de patentes. Os pedidos com origem em Portugal revelam que os pedidos de patentes feitos em 2021 em tecnologia triplicaram, incluindo os referentes a inovação nos cuidados de saúde e no setor dos transportes cresceram 114%. O EPO atreveu-se mesmo a divulgar que, depois de um ano de 2020 marcado pelo decréscimo no número de pedidos de registo de patentes, 2021 revelou-se um ano recorde para estes pedidos, com 188.600 pedidos provenientes de todo o mundo, o que reflete um aumento de 4,5% face a 2020.

O Estado tem estado a fazer o seu papel?
Os governos e reguladores têm vindo também a lançar medidas que estimulam este desenvolvimento dos direitos de PI, incluindo das patentes de invenção. Por exemplo, a iniciativa de lançamento das candidaturas ao Novo Fundo europeu de apoio às PME, lançado a 10 de janeiro de 2022, incentiva à proteção dos direitos de propriedade intelectual como forma de fazer “descolar” os negócios das empresas e é uma prova de que a propriedade intelectual está presente nas agendas atuais. Mais recentemente, a proposta de Orçamento do Estado para 2022, sobre o regime “Patent Box”, previa uma medida estrutural importante nesta matéria: o benefício fiscal de dedução ao lucro tributável dos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou a utilização temporária de direitos de propriedade intelectual de 85% (atualmente, 50%), numa clara estratégia de incentivo à criação, licenciamento, exploração e transmissão de criações e inovação (patentes e direitos de autor sobre software).

Que efeito tem nas empresas?
Este alívio de tributação desempenha um forte estímulo à fixação de investimentos que promovam a investigação e desenvolvimento em Portugal, sendo também um regime já difundido na Europa. Na verdade, de acordo com dados públicos, 14 dos 27 Estados-membros da UE já têm regime de “Patent Box” em vigor (por exemplo, França, Hungria, Bélgica, Chipre, Espanha, Itália, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polónia, entre outros), tendo países não europeus como Andorra e Suíça também implementado o regime. Este regime será dos mais competitivos da Europa, dado o objetivo de isentar de IRC 85% dos royalties e de quaisquer receitas provenientes da exploração de propriedade intelectual, incluindo a venda de software.

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